Esta semana, recuámos 20 anos. Sim, sim, verifiquem a data no vosso Nokia 3310: estamos efectivamente em 2001. Por essa altura, eu ainda andava na escola primária, mas dá-me ideia de que se continua a falar dos mesmos temas: alterações climáticas, conflito israelo-palestiniano, dinheiros europeus, Afeganistão, talibãs e o facto da comida da cantina ser uma merda. Felizmente para nós, este retrocesso é apenas temático. O mesmo não poderão dizer os milhões de habitantes do Afeganistão, para quem o retorno às trevas irá de facto materializar-se no dia-a-dia.
A palavra “complexo” deve ter sido criada por um antigo a quem perguntaram “olha lá, como é que está a situação no Médio Oriente e na Ásia Central?”. Não é incomum estamos a olhar para um confronto em que existe perversidade de ambos os lados (ainda que partindo de diferentes posições de poder), o que não dá nenhum jeito às tendências maniqueístas em voga. Nem o facto de se classificar a intervenção dos Estados Unidos como desastrosa significa regozijo com a tomada de poder por parte de um grupo de fanáticos com ideias medievais; nem a condenação das práticas dos talibãs e a noção de emergência humanitária serve para legitimar o intervencionismo americano. O contexto no Afeganistão é complexo, enriqueceu o complexo militar-industrial americano e também reaviva complexos.
Complexos como os de Yanis Varoufakis, por exemplo. Eu já tinha ouvido falar de “white savior complex”, o complexo de salvador branco - associado a pessoas que ajudam as minorias para proveito próprio. Ora, Varoufakis não ajudou ninguém. Celebrando a derrota do “imperialismo liberal-neo-conservador”, o grego ofereceu a sua solidariedade às mulheres afegãs de forma particularmente magnânima: “mantenham-se firmes, irmãs!”. Pronto, está feito. Por um lado, Varoufakis não consegue deixar de sorrir pela derrota dos Estados Unidos, que é a parte fulcral; por outro lado, já ficou despachado em termos de demonstração de empatia junto das mulheres que agora veem os seus direitos reprimidos, com esta pequena ressalva. Lá está, trata-se antes de “complexo de ressalvador branco”.
Entretanto, os talibãs já vieram dizer que desejam ser inclusivos. Eu acredito, vocês não? O porta-voz dos talibãs prometeu que “as mulheres vão ver os seus direitos respeitados, dentro daquilo que está previsto na lei Sharia”. Pois. É como dizer “garantimos a igualdade entre raças (no contexto da supremacia branca)” ou “juramos que há oportunidades iguais para todos” (no âmbito de uma economia neoliberal)”. Não há dúvidas de que fingir que se é progressista se tornou na forma mais eficaz de propaganda. Antigamente, os grupos de radicais destruíam, agora desconstroem: é a sharia woke.
Tenho a certeza de que os talibãs vão derrubar estereótipos de género. De certeza que vão forçar as lojas de roupa ter burcas de todos os tamanhos, para integrar todos os tipos de corpos e não ceder a padrões de beleza. As mulheres só poderão sair de casa acompanhadas por um homem, mas esse homem está proibido de fazer mansplaining. E os talibãs woke só não respeitarão a separação de poderes. Porquê? Porque é apropriação cultural.
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