Quem gosta de atletismo sabe quem ela é. Allyson Felix ganhou tudo o que havia para ganhar, nas pistas, e ainda deu uma chapada pública à Nike. Ou melhor: reconverteu a política salarial e contratual da empresa, face à maternidade e pós-parto.
Ela despediu-se na segunda-feira das competições, depois de ganhar mais uma medalha de bronze. Eu, que sou lamechas, verti umas lágrimas.
Allyson Felix arrecadou 27 medalhas olímpicas e de campeonatos mundiais de atletismo. Para que fique claro, 20 destas medalhas são de ouro. Correu 100, 200 e 400 metros rasos. Não há qualquer outro atleta – seja de que género for – que tenha conquistado tantas medalhas olímpicas. Allyson tem dez. A especialidade dela? Correr os 200 metros rasos e fazê-lo em 21 segundos e 81 décimas. A proeza concretizou-a em 2007, na cidade japonesa de Osaka, no Campeonato do Mundo. Em 2012, não contente, bateu-se a ela própria: fez a mesma prova em 21 segundos e 69 décimas.
É uma velocista incrível, que deixa a carreira aos 36 anos de idade. Talvez sinta o sabor amargo de ter conquistado o bronze, em vez da prata ou do ouro, na prova de segunda-feira. As vencedoras têm menos dez anos de idade. E a idade, no desporto, conta muito.
O que também conta é a maternidade. E conta para as atletas mulheres de uma maneira feia, discriminatória, injusta. Allyson não foi excepção. Patrocinada pela Nike, anunciou a sua gravidez e, digamos, o caldo entornou-se. O confronto tornou-se público, e várias atletas denunciaram os preconceitos e práticas discriminatórias da marca. Podemos dizer que ganharam a guerra, porque a Nike vergou, e anunciou que manteria contratos e patrocínios sem qualquer redução, às atletas mulheres que pretendem ser mães. A Allyson tinham proposto uma redução de 70% no contrato. Não foi uma guerra fácil, mas venceu-se.
A maternidade significa várias coisas e, no mundo da alta competição, maioritariamente masculino ao nível das decisões, podemos talvez dizer que a maternidade “é uma chatice”. Não são os nove meses de gravidez, é também o pós-parto, a recuperação. É preciso muita autoconfiança, muito trabalho. Se a Nike, em 2019, tinha dúvidas, Allyson mostrou-lhes que é possível ser tudo: mãe e atleta. Teve uma filha prematura e, 13 meses depois, estava de volta. Entretanto, vai ter a sua marca de sapatilhas, o que, aqui entre nós, me parece uma chapadinha de luva branca com pinta.
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