Aparentemente, não há mal nenhum nisso. Contudo, o problema desdobra-se em dois: a privacidade de que falam não é problema para ninguém, menos ainda para o Facebook. De facto, ninguém, com excepção dos anunciantes, quer saber onde jantaram ontem ou quantas publicações de gatinhos fizeram. Oferecer esta informação a quem nos quer vender coisas é o preço a pagar por um serviço gratuito que transforma utilizadores no próprio produto: não só o Facebook não produz nada, como ainda negoceia com base no produto que não produz. Desenvolveu a estrutura que permite que outros produzam conteúdo (mesmo que apenas partilhando), gerindo a estrutura de relações entre os vários tipos de utilizadores e objectivos de cada um, sentando-se, calmamente, a ver do dinheiro entrar.
Esta privacidade refere-se ao que é do domínio privado, ou seja, o que acontece quando fechamos a porta de nossa casa que pode, se o desejarmos, ter sempre uma janela aberta através da qual os outros podem espreitar. Contudo, como ainda mantemos algumas coisas só para nós, estamos convencidos de que estamos a preservar momentos e pessoas da nossa vida, porque publicamos o que queremos, como e quando queremos.
Esquecemo-nos sempre que o big brother é real, que as entradas e saídas ficam registadas ou que o lastro que deixamos na rede é convenientemente analisado, incluindo conversas que temos através de outras plataformas como o WhatsApp ou o Instagram, que são, igualmente, parte do Facebook.
Estas estão a usar informações relativas à nossa vida com base nas ideias que transmitimos, opiniões e comportamentos, ampliando-nos o mundo ao mesmo tempo que fecham o espectro do nosso conhecimento. Se a informação que recolhem sobre nós serve para nos ampliar os horizontes porque nos sugerem outros websites, conteúdos, pessoas, serviços e produtos (muitos produtos e muitas marcas para podermos comprar…), também nos restringe esse mesmo mundo. Acabamos inevitavelmente num ciclo que nos mostra mais do mesmo: somos animais de hábitos e a informação recolhida vai gerar ligações relacionadas com o que já conhecemos e que estamos, provavelmente, disponíveis para comprar. Como a música, nos serviços de streaming, que tende a ser sempre nova mas em tudo semelhante à que já conhecemos e que, portanto, iremos quase de certeza, gostar. Experimentem baralhar o sistema…
A outra questão que raramente se fala é o que fazem com os nossos dados. Estamos convencidos de que o pior que nos pode acontecer é um facejacking lá no escritório ou o envio de uma corrente de mensagens com um vírus aos nossos amigos. Não é. As nossas passwords e outros dados privados - sim, aqueles que é suposto não divulgar - podem (e quase de certeza estão) ser usados com fins que não imaginamos, como gerar likes, enviar emails para propagar mensagens de propaganda política ou pornografia infantil, ou entrar na nossa rede para recolher ainda mais dados. O roubo de identidade digital existe, da mesma forma que a usurpação da nossa rede doméstica também. Há um submundo digital muito negro que desconhecemos e que, por vezes, torna a internet lá de casa muito lenta, usando-a (usando-nos) para coisas que não imaginamos, enquanto nos limitamos a pensar… que estranho, a net está tão lenta… Afinal, a nossa vida é (mesmo) um livro aberto e a nossa privacidade, essa que deveria ser privada, está completamente desvalorizada.
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