Pablo Picasso morreu na sua mansão de Moujins, em França, no dia 8 de Abril de 1973, aos 91 anos, acompanhado pela segunda esposa, Jacqueline Roque, o filho mais velho, Paolo e alguns amigos. Foi enterrado no castelo de Vauvernages, que era sua propriedade, mas onde se conta que só foi duas vezes. 

À data da morte, Picasso, nascido em Espanha, já era venerado como o maior artista do século - maior tanto pela sua influência na Arte, como pela sua produção extraordinária - 14 mil quadros, 100 mil gravuras, 24 mil ilustrações para livros e 300 esculturas. (A sua produção dos últimos três anos foi maior do que o total da obra de Miguel Ângelo).

Artisticamente, Picasso estava sempre a inovar, a procurar novos caminhos para se exprimir, e mudou o rumo da arte contemporânea várias vezes, passando da pintura figurativa para o cubismo e o abstracionismo. Embora não haja concordância quanto às fases da sua produção extraordinária, é costume dividi-las em períodos: o azul (1901-04), o rosa (1904-06), o africano (1907-09), o cubismo analítico (1909-12) e o cubismo sintético (1912-19). Além disso teve vária sub-fases, como a dos minotauros e a dos mosqueteiros. Embora nem sempre seja apreciado pelo comum das pessoas, que não compreendem as suas divagações não figurativas - há expressões conhecidas, como “qualquer criança pode fazer aquilo”, ou o epíteto pejorativo “picassadas” - o reconhecimento pela comunidade artística e pelos visualmente mais educados é universal e indiscutível. Ele, como ninguém, inovou sempre e experimentou constantemente novas formas, sem se preocupar com a evolução contínua, ou estilo permanente que é o paradigma de outros grandes criadores. As suas obras, cuja execução foi profusamente documentada em fotografias e filmes, brotavam sem esforço aparente, com uma alegria quase naive pela imagem e pela forma, sem preocupações de “fazer arte”.

O mural “Guernica”, sobre os horrores do bombardeamento urbano que caracterizou a guerra a partir da década de 1930 (Guernica era uma cidade basca, arrasada do ar, pelos nazis, durante a Guerra Civil de Espanha) e o quadro “Les Demoiselles de Avignon”, em que mostra cinco prostitutas, duas com máscaras africanas, são as suas obras mais icónicas, entre as milhares expostas em todos os grandes museus. (Guernica esteve no MoMA, em Nova Iorque, até ao fim do franquismo, e agora está no Dona Sofia, em Madrid. As “Demoiselles”, pintadas em 1907, estão no MoMa).

Anti-franquista, o artista jurou que nunca mais poria os pés em Espanha enquanto Franco fosse vivo - e Franco morreu depois dele, em 1975. Durante a II Guerra Mundial permaneceu em Paris, proibido de expor pelos nazis, que não lhe tocaram. Em 1945 declarou-se comunista e pintou a famosa Pomba para o Congresso Mundial pela Paz, organizado pelos comunistas em 1948. Também pintou dois enormes painéis “Guerra e Paz” sobre os massacres nacionalistas na Guerra da Coreia (1950-53). 

Até hoje se discute porque não participou na Guerra Civil de Espanha e na Segunda Guerra Mundial. Há quem diga que foi porque era pacifista, há quem afirme que se tratou de simples cobardia. Mas é indiscutivelmente contraditório para um comunista viver num castelo e possuir 185 milhões de dólares (actuais) em propriedades à época da sua morte, além do modo altaneiro (dizem) como ignorava os seus empregados.

Estas são polémicas hoje em dia esquecidas. Em compensação, reavivaram-se as críticas em relação à sua atitude com as mulheres (https://www.artdex.com/story-picassos-women/). Só casou duas vezes, com Olga Khokhlova e Jaqueline Roque, mas cultivou muitas amantes, várias ao mesmo tempo. Teve quatro filhos de três mães. Mas não é só isso, tratava mal as mulheres, batia-lhes, seduzia-as e depois abandonava-as, torturava-as psicologicamente e usava-as sem contemplações, com um comportamento ao mesmo tempo adulador e misógino que hoje é visto como inaceitável.

O “The Guardian” perguntou a várias personalidades o que acham desta contradição entre a obra formidável e o artista questionável. A diversidade de respostas mostra as diferentes atitudes quanto à questão, que não se refere apenas a Picasso: pode-se ou deve-se separar o autor da obra? Muitos artistas - e não só, também inventores, cientistas e pessoas que fizeram avançar campos importantes da cultura e civilização - foram pessoas execráveis.

Na nossa opinião, não só se pode como se deve. Em primeiro lugar, a obra (qualquer tipo de criação) uma vez feita, já não pertence ao artista, mas a toda a Humanidade. Em segundo lugar, ninguém é completamente “bom” ou “mau” e, na sua complexidade, pode ser um génio e um patife ao mesmo tempo. O benefício que traz a todos ultrapassa o malefício que causa aos seus próximos. Não é por Picasso ter queimado o rosto de Dora Maar com um cigarro, que os seus retratos da amante (num dos quais colocou a queimadura!) são menos expressivos e representativos da arte contemporânea.

Um artigo recente do “The New York Times” coloca exactamente esta questão. Todos beneficiamos da genialidade do artista, que nos faz ver o mundo numa perspectiva que não veríamos sem a sua obra, e que independentemente do seu comportamento enquanto pessoa. “Cancelar” Picasso seria ignorar o valor redentor da Arte, em nome de uma correcção pessoal que, maior ou menor, não existe em ninguém.

No mundo da Arte, que é o da nossa percepção e das nossas sensações pessoais, existe um “pré-Picasso” e um “pós-Picasso”. No mundo da maldade e da ausência de compaixão, não há antes e depois.