Por mais inusitado que possa parecer, mesmo comparando com a extraordinária vitória do Presidente, o resultado desta eleição reforçou exponencialmente a tendência centro-direitista (“globalista” segundo Le Pen) do eleitorado, em detrimento da extrema-direita e das esquerdas (extrema e moderada). Inusitado porque se esperava que a direita da Frente Nacional reforçasse a sua participação parlamentar, o que não aconteceu; e, ao mesmo tempo, também os socialistas, que governaram nos últimos cinco anos, passaram da maioria para a quase extinção em apenas uma legislatura.
Mas, antes de mais considerações, vale lembrar como é o sistema eleitoral francês: os 577 círculos eleitorais são uninominais – ou seja, como no Reino Unido e ao contrário de Portugal, os eleitores votam no “seu” deputado, e não em listas montadas pelos partidos. Para diluir um pouco as condicionantes do sistema, há uma segunda volta com os dois mais votados na primeira, caso nenhum candidato obtenha maioria e pelo menos 12,5% dos votos. Portanto, ou um candidato ganha logo na primeira (que foi ontem), ou concorre com o segundo mais votado na segunda (que será no próximo domingo).
Este sistema permite que logo na primeira volta se tenha uma ideia muito clara da composição partidária que sairá da segunda volta. Os deputados de um partido que passem à segunda volta têm 50% de probabilidades de ser eleitos. Os outros desaparecem do mapa.
Macron, que teve apenas um mês para construir um partido de abrangência nacional a partir do nada, foi buscar algumas figuras doutras forças políticas, à esquerda e à direita (ele próprio foi ministro socialista), mas sobretudo escolheu independentes e caras novas, sem carreira pública. Deu-lhes um título optimista e propositadamente ambíguo: A República em Marcha.
Este agrupamento feito às pressas, com um programa nebulosamente social-democrata, conseguiu logo nesta primeira volta 32,2% dos votos, entrando em primeiro lugar no maior número de círculos na segunda volta, praticamente garantindo os 289 deputados que lhe darão maioria absoluta.
Mais ainda: a restante direita, os Republicanos e outros grupos pós-gaulistas (LR/UDI/DVD), que terão menos problemas em votar as medidas de Macron, obtiveram 21,2 dos votos, o que lhes pode dar entre 85 e 125 deputados.
Portanto a primeira conclusão dos resultados de domingo é que Macron terá todas as condições para governar à vontade.
E não são só as forças “globalistas” e centristas que gostam do novo Presidente. A maneira como Macron enfrentou e até 'trolou' Trump a propósito da decisão americana de abandonar o Acordo de Paris sobre as alterações climáticas valeram-lhe simpatias do lado esquerdo do espectro menos fossilizado ideologicamente.
O que leva à segunda conclusão, igualmente evidente: as esquerdas amargaram uma derrota arrasadora. A começar pelo Partido Socialista, que não passou duns tristes 10,2% e perdeu quase todas as suas estrelas. Ex-ministros e figuras históricas do partido e da política francesa foram eliminados de cena. O caso mais citado é o de Jean-Christophe Cambadélis, secretário-geral do partido, que perdeu o lugar parlamentar que detinha há 20 anos; mas há muitos outros, como Hamon, o candidato às presidenciais, e até a antiga ministra da Cultura, Pascal Boistard, que tivera o cuidado de se demitir e entregar o cartão de militante. Apenas alguns socialistas de renome, como o ex-primeiro-ministro Manuel Vals, conseguiram passar à segunda volta, e em círculos onde a A República em Marcha não apresentou candidatos. Todos os comentadores franceses concordam que ou o Partido Socialista se reinventa, ou desaparece.
Quanto às outras esquerdas, Mélenchon, comunistas e marxistas-leninistas sortidos, não chegarão aos 10%. O Partido Comunista, com 3%, não se arrisca a desaparecer, porque os seus militantes são irredutíveis, mas não continuará uma presença simbólica na política francesa.
A terceira conclusão é que afinal o perigo da extrema direita foi um tigre de papel. A esperança de Marine le Pen, de se tornar a oposição oficial ao governo, desvaneceu-se nuns singelos 14%, que lhe darão porventura meia dúzia de deputados na próxima legislatura.
Tanto le Pen como Mélenchon, e até os socialistas, levantaram o problema da abstenção como uma espécie de desculpa para os seus desaires. A abstenção recorde de mais de 50% (45% em 2012) foi dada como desculpa para os fracos resultados e como preocupação mais importante do que as derrotas. Mas a abstenção mostra apenas que uma grande parte do eleitorado achou que não valia a pena votar, ou porque achou que não faria diferença, ou porque pensou que a diferença tanto faz.
Emmanuel Macron tem agora o caminho livre para fazer o que quiser. O que ele quer fazer é que ainda falta descobrir.
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