É um mero mito que o sistema de saúde americano representa o livre mercado, sem qualquer regulação ou assistência. Nos dias que correm, até mesmo os estados americanos governados por republicanos continuam a expandir o Medicaid.
A CNBC, por exemplo, reportou que os eleitores nos “estados republicanos” de Utah, Nebraska e Idaho aprovaram votações para expandir o Medicare, como parte das novas previsões do Obamacare. A nível de estados, pelo menos, a expansão do sistema de saúde governamental já se tornou um facto em quase todos, com exceção do sul dos EUA.
Temos de admitir que boa parte dos eleitores, sejam eles republicanos ou democratas, querem ouvir as palavras mágicas “safety net [rede de segurança]” quando o assunto é saúde. É por isso que, por exemplo, eleitores em Idaho votaram para expandir o assistencialismo na saúde.
As últimas expansões do Medicaid, entretanto, são apenas os passos mais recentes de um aparato de saúde financiado pelo estado americano que está em rápido crescimento há décadas. Atualmente, o setor público de saúde é tão grande que consome metade dos gastos em Saúde nos Estados Unidos.
Gastos no mundo
Ao consultar as informações do Relatório Estatístico da Saúde de 2015 da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), verificamos que os gastos estatais com saúde nos Estados Unidos representaram 48% de toda a despesa com saúde, comparado com a média de 73% da OCDE.
Os dados são de 2013. Desta feita, é seguro dizer que, com os custos crescentes do Medicare e do Medicaid, os gastos do governo com saúde cresceram, pelo menos, até igualarem os gastos do setor privado.
De notar que as despesas apenas do setor público são parecidas ou maiores do que as da maioria dos outros membros da OCDE, ao nível de países como a Alemanha, Suíça, Bélgica, Áustria, Nova Zelândia, Espanha ou França.
Ainda segundo a Organização Mundial de Saúde, os Estados Unidos são o quarto país do mundo com mais gastos governamentais com saúde per capita.
É evidente que a ideia de que os EUA têm um “livre mercado” de saúde é pura fantasia. O assistencialismo do Estado é enorme, caro e domina esta indústria. Com tantos baby boomers (geração de 56 a 76 anos) no Medicare num futuro próximo e com a expansão do Medicaid, em poucos anos a maioria dos gastos com saúde serão totalmente estatais.
Isto, no entanto, não significa que haverá uma mudança fundamental no sistema de saúde americano, mas sim uma continuação da tendência das últimas décadas.
Atualmente, os gastos públicos americanos têm evoluído para se igualar aos de alguns países que não são propriamente conhecidos pela sua devoção ao sistema de saúde “de livre-mercado”.
Dado que o crescimento das despesas com benefícios do Medicare quase duplicou na última década, não é impossível imaginar que os gastos públicos aumentem a níveis que hoje vemos em alguns países que tem sistemas de saúde pública.
O mito canadiano e os sistemas de seguro
Ao contrário do mito de que o sistema de saúde canadiano é “gratuito”, quase 30% de todo o gasto com saúde é no setor privado. A maior parte dele para cobrir prescrição de remédios, dentistas e outros tipos de serviços não cobertos pelo Estado.
Para além disso, os serviços de saúde nos Estados Unidos oferecidos por empresas privadas são feitos, na grande maioria dos casos, por sistemas de seguros extremamente regulados e altamente burocráticos. Este tipo de seguro é tão comum que são menos os americanos que compram serviços de saúde pelos próprios bolsos do que a maioria dos cidadãos de países da OCDE.
Ao passo de que suíços, italianos e austríacos gastam pelo menos um quinto das suas próprias despesas com saúde, os americanos gastam apenas 12%. Aliás, os Estados Unidos estão bem abaixo da média de 19,5% da OCDE.
Portanto, a ideia de que milhões de americanos gastam fortunas em procedimentos médicos básicos é outra pura ficção.
Os seguros privados estão contaminados pelo sistema de saúde americano
Nesta altura, o debate já não é entre um sistema de saúde de mercado ou estatal. Agora discuto o quanto o setor público deve representar nos gastos com saúde.
O governo americano é, de longe, o maior prestador de assistência médica no país. Então, devemos admitir abertamente que não há qualquer sistema de preços no mercado da saúde. A indústria da saúde está dominada por contratos governamentais, gastos governamentais e regulações governamentais em serviços de saúde.
É claro que os preços continuam a disparar. Isso não se deve ao excesso de “competição do mercado”, mas sim porque o sistema de saúde é pesadamente subsidiado por várias intervenções estatais. Como é quase sempre o caso, bens e serviços subsidiados passam a ter uma maior procura por serem conhecidos como sendo “baratos”. Isto acontece em qualquer lugar que subsidie um serviço.
Parece que o objetivo, de quem defende o livre mercado no atual cenário, é parar de tentar prevenir a criação de um sistema de saúde pública. Ao invés disso, deve focar-se em abrir um espaço para a atuação no mercado, num setor que é claramente dominado pelo governo.
O debate agora é sobre desregulação, flexibilização ou de criar fôlego para que uma economia privada verdadeiramente livre se desenvolva. Os Estados Unidos têm um enorme sistema de saúde “público”. Por esse motivo, o objetivo agora é construir meios para fugir dele.
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