Ainda posso escrever sobre a eutanásia ou esse assunto já morreu? Ah ah ah. Perceberam o que eu fiz aqui? Chama-se humor de linguagem, o trocadilho, tão apreciado na tradição portuguesa e quase tão típico como gostar de meter o bedelho na vida dos outros.
Ficar contente com o “Não” à eutanásia é celebrar o sofrimento de quem a queria ter neste momento; aliás, o problema é esse: o distanciamento que temos do sofrimento alheio pois damos mais destaque a engravatados a discutir a eutanásia do que a ouvir, na primeira pessoa, o testemunho de quem só queria ter uma boa morte – para quem não sabe, etimologicamente, eutanásia significa “morte boa”.
Não estou a ponderar eutanásia para mim, neste momento, nem sei se algum dia estarei na situação de pensar no caso, por isso, parece-me parvo ser eu a decidir se quem está nessa situação deve ter o direito a escolher morrer de forma digna e sem sofrimento ou não. Quando estive nos Prós e Contras, o público riu-se quando eu disse que não levaria a minha cadela a um restaurante, embora estivesse a favor da lei que permite aos donos do estabelecimento decidirem se querem ou não animais de estimação no seu espaço. Até a moderadora se riu e disse-me “Então isso é uma falsa questão para si”. Claro, porque eu só posso ser a favor do casamento entre casais do mesmo sexo se estiver a contar casar-me com um gajo. Faz todo o sentido sermos apenas a favor de leis que nos favorecem directamente e deve ser por isso que se insiste em eleger governantes que pensam exactamente de essa mesma forma.
Há quem peça o referendo, mas acho perigoso os direitos humanos serem referendáveis porque é dar a uma maioria a possibilidade de decidir o que uma minoria deve fazer com a sua vida, especialmente num país com um nível duvidoso de educação. “Por favor não matem os velhinhos”, podia ler-se num cartaz de uma rapariga, provando que há assuntos mais importantes do que a eutanásia, como a deficiente educação em Portugal. Nem nos colégios privados a educação está boa, logo a começar pela falta da vírgula a seguir ao “Por favor”.
Compreendo, até certo ponto, as pessoas que são contra a despenalização da eutanásia, mas não lhes reconheço honestidade nos argumentos. Deixem de ser hipócritas e admitam que têm é medo que Deus fique chateado; assumam que o sofrimento dos outros é menos importante do que as vossas convicções ideológicas; não se escondam atrás de falsos argumentos como o medo de que a eutanásia seja utilizada para praticar homicídio porque, no fundo, estão a borrifar-se para vida dos outros. Aposto que se lhes dissessem “Olhem, se a eutanásia for despenalizada, vamos conseguir poupar nos cuidados paliativos do SNS e vamos descer os impostos para todos”, saíam todos à rua com cartazes a dizer “Por favor matem os velhinhos todos!”.
Os que são contra a eutanásia, por norma, são os mesmos que estão contra o aborto e a descriminalização do consumo de drogas. Curioso que em Portugal, a lei do aborto tem sido um sucesso, com o número de abortos a diminuir ano após ano, e somos um caso de referência a nível mundial no tocante a despenalização do consumo de drogas. É dar uma hipótese à eutanásia, embora haja aqui mais do que convicções ideológicas. Por exemplo, obviamente que uma farmacêutica que comercialize medicamentos que suavizam o sofrimento, usados nos cuidados paliativos, será contra a eutanásia. Por norma, a doença é um negócio melhor do que o da morte; obviamente que a senhor Arminda, florista, também é contra porque flores no funeral só se oferecem uma vez, enquanto que a alguém em estado terminal oferecem-se todas as semanas; já o padre Alfredo, seria normal que fosse a favor da eutanásia já que ganha bem por cada funeral celebrado, no entanto, perdia o dinheiro das pessoas que vão rezar pelo doente e deixar mola para subornar o Senhor e, acima de tudo, os padres são empregados de Deus e Ele não gosta que lhe estraguem o monopólio do negócio da morte. No caso dos vegetarianos, penso que sejam todos a favor da eutanásia, caso contrário seria hipócrita vindo de quem gosta de matar vegetais.
Podem ocorrer erros ou abusos? Claro que sim, o ser humano é perito em tornar coisas boas em más, mas isso tem de ser analisado caso a caso porque se fosse assim não teríamos carros porque há gente irresponsável ou mal-intencionada que os usa para fins pérfidos. É certo que tudo isto tem áreas cinzentas e que o debate da eutanásia não é preto ou branco, mas, na minha opinião, toda essa complexidade pode ser resumida a: se alguém prefere morrer em vez de sofrer, quem somos nós para lhe dizer “Aguenta e não chora”? A eutanásia consentida é um acto de misericórdia, prolongar a vida de quem não o quer é um acto de egoísmo.
Sugestões e dicas de vida completamente imparciais:
Escusam de dizer que eu é que devia ser eutanasiado ou de sugerir que os meus pais tivessem abortado. Sejam um bocadinho mais criativos nos insultos.
Stand-up Comedy no Coliseu do Porto dia 15 de Junho. Bilhetes neste link.
The Invitation, um bom filme de baixo orçamento na Netflix.
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