Para reconhecer a felicidade é preciso conhecer o seu contrário, para darmos valor ao melhor que a (nossa) vida tem. Num país com os problemas estruturais que Portugal tem, ficamos muitas vezes limitados ao que conseguimos ver à nossa volta e que é tudo menos a ideia de felicidade.
Portugal é um país remediado que se dá ares de rico. E, como ele, também o António faz por isso, com a casa vistosa que é do banco, o carro espampanante que também é do banco, as roupas de marca que são da empresa de cartão de crédito, a escola privada, caríssima, paga sabe-se lá como, o ginásio da moda com a mensalidade (quase) sempre atrasada e a lista de supermercado que inclui muitos produtos de marca branca (não pela sua qualidade mas pelo seu baixo preço) e salsichas (porque os miúdos adoram!…).
As origens do António são humildes e sempre preferiu ser conhecido pelo filho do senhor doutor do que pela empregada do médico cardiologista das Avenidas Novas. Criado entre meninos ricos, cedo aprendeu os seus jeitos e trejeitos, recusando adoptar a postura dos que lhe deram origem. Por ele, a mãe trabalhou horas a mais para pagar a Universidade privada e, por ele, sempre se escondeu entre a multidão. O António empregou-se numa multinacional, casou com uma menina de bem, também filha de um senhor doutor bem posto na vida. Decidiu viver uma vida de aparências que começa logo de manhã, quando desfaz a barba, veste a roupa cuja etiqueta esconde - nunca é da mesma marca da dos seus colegas endinheirados - e leva os seus filhos ao colégio. Tão preocupado com aquilo que deveria ser, esqueceu-se de ser e, por isso, não sabe quem é. Não pensa muito nisso, confundido uma certa apatia com cansaço, um apontamento de frustração com ansiedade ou a insegurança com a necessidade de ajudar o próximo. No supermercado, aceita encher um saco de papel do Banco Alimentar Contra a Fome.
Todos conhecemos um António, que vive de aparências, mas também conhecemos uma Maria e a sua pobreza envergonhada. Ou uma Joana que é realmente pobre, fazendo parte das estatísticas daqueles 23% que vivem em situação de pobreza e exclusão.
Portugal não tem muitas riquezas naturais e não explora devidamente as que tem. Faz um investimento esquizofrénico na formação e educação e, por isso, tem muita mão de obra barata e, outra, extremamente qualificada, para a qual não tem empregabilidade, entregando-a a outros países, que a valorizam. Somos pela igualdade desigual, com uma taxa de ascensão social muito baixa e lideranças no mínimo, duvidosas. Os favores, cunhas e compadrios são culturais e pouco contribuem para o desenvolvimento do país. A meritocracia existe, mas pouco, a favor de hierarquias imutáveis e pouco credíveis. Temos tanto um primeiro sector moribundo, com milhares de pessoas sem colocação, como uma Web Summit que deslumbra, ao mesmo tempo que deixa um rasto de inspiração e motivação para fazer o mercado mexer. Não nos falta capacidade para empreender - temos, aliás, inúmeros exemplos recentes e ao longo de toda a história - mas falta-nos aquilo que tenho feito um esforço enorme para aprender: a cultura do pitch sem vergonha, porque não é vergonha nenhuma valorizarmos as nossas capacidades e competências, cobrando pelo trabalho realizado. Sim, o trabalho intelectual, tal como todos os outros, também se paga, para que não cheguemos à terceira idade como ⅕ dos portugueses, com reformas miseráveis, mesmo que tenhamos, como os jovens que entraram em 2016 no mercado de trabalho, de trabalhar até aos 68 anos. E, a ser, que seja a fazer aquilo que gostamos, independentemente das aparências e do que estas possam representar.
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