Porque a academia portuguesa foi a reboque da academia brasileira (aliás é curioso que Fernando Pessoa também tenha começado por ser estudado no Brasil e só depois em Portugal. Diz muito sobre a forma como vemos os nossos). Porque autores/poetas homens da sua geração acumularam honrarias, homenagens e prémios, muitos prémios, e ela apresenta uma lista muito curta para quem anda a escrever há tantas décadas.
A Maria Teresa Horta tem 64 anos de vida literária. Escreveu poesia e ficção e foi jornalista a vida toda. O seu primeiro grande prémio não foi para a sua obra como poetisa, foi para essa obra incrível que faz o retrato da Marquesa de Alorna, sua penta avô, "As Luzes de Leonor". A sua vida é um retrato extraordinário de uma mulher para quem a palavra liberdade sempre valeu mais do que qualquer outra. Exerceu essa liberdade com gosto e convicção e Portugal não apreciou. Não gostou da sua poesia desempoeirada. Não gostou que Maria Teresa Horta falasse do corpo dos homens com sentido de paridade. Do desejo sexual das mulheres. Do prazer. Portugal gostou menos ainda das suas posições feministas quando a palavra não enchia páginas de jornais. Não gostou que fosse pró-aborto. Que defendesse a comunidade LGBTQIA+ mesmo antes de ter esta designação. Não morreu de amores com as entrevistas que fez, as reportagens que promoveu.
Portugal tem muita dificuldade com mulheres livres e capazes de ter voz, de exercer o direito à opinião. Por tudo isto, e muito mais, Maria Teresa Horta nunca ganhou o Prémio Camões, foi ignorada em colectâneas que, alegadamente, reuniam o melhor da poesia do país. Foi entendida, como diz o filho na biografia "A Desobediente", uma feminista chata até muito tarde.
Maria Teresa Horta nasceu em 1937. Teve uma vida complexa, dura, singular. Quando morrer todos irão dizer o melhor e todos a terão lido. Todos terão sido muito amigos e amigas da poetisa, escritora, jornalista, feminista. Como disse ela mesma, este ano, a propósito dos 50 anos do fim do processo de Novas Cartas Portuguesas, “que engraçado, agora lembraram-se”. A BBC não precisou de muito para chegar ao nome de Maria Teresa Horta. Como não se coibiu de seleccionar outras mulheres, de outros países, que são inspiradoras. Em Abril passado, no discurso do presidente francês Emmanuel Macron a celebrar o aniversário da revolução, além de um conhecimento alargado da História de Portugal, foram referidas três mulheres, a quem agradeceu: Maria Teresa Horta, Maria Isabel Barreno e Maria Velho da Costa. Nós aplaudimos e lembramo-nos que a Maria Teresa Horta é nossa.
É nossa, sempre foi nossa. Pena que o reconhecimento da sua obra e da vida sejam tão tardios. Ela merecia muito mais.
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