Fabrizio Graglia é diretor da Associação Esmabama, uma organização não governamental que iniciou as suas actividades em Moçambique em 1997 e foi reconhecida oficialmente em 2004. É uma das maiores organizações do género no país, com os seus 167 funcionários, 8 escolas com cerca de 8.000 alunos, 4 centros de saúde, apoiando uma população de cerca de 500.000 pessoas. A Esmabama atua nas áreas de saúde, educação e agro-pecuária. No terreno, Fabrizio Graglia faz um relato na primeira pessoa da devastação deixada pela passagem do ciclone Idai pelo centro de Moçambique, e as cheias que se seguiram, e deixa também um pedido de ajuda urgente. Pelo menos 242 pessoas morreram e cerca de 400 mil foram afetadas.
Caros amigos,
Hoje (segunda-feira, 18 de Março) consegui fazer a viagem de Beira para Nampula e depois para a Maputo para poder aceder à Internet e poder actualizar-vos sobre os últimos acontecimentos que atingiram a província de Sofala.
Um ciclone devastador (Idai) massacrou Sofala na noite de quinta-feira, 14 de março. Desde aquele dia ficámos sem energia elétrica, comunicações telefónicas, combustível, comida, água potável, estradas, ATM’s [multibancos] e os bancos mantêm-se fechados.
Este ciclone deixou para trás um rasto de morte e destruição como não há memória no país. As escolas, nosso escritório, os hospitais que permaneceram em pé tornaram-se o refúgio de centenas de famílias que perderam tudo. O telhado do hospital central da Beira caiu e 5 recém-nascidos da enfermaria de neonatologia morreram. Mais 160 pessoas morreram naquelas instalações devido principalmente à falta de energia que mantinha as máquinas hospitalares e à queda parcial da estrutura. Não há postes de luz em pé, as árvores tombadas bloqueiam as ruas, nenhuma loja ou mercado está operacional. Só comemos laranjas e abacates durante 3 dias e racionalizamos a água potável.
O vento era tão forte que arrancou os motores de ares condicionados atirando-os para os telhados circunvizinhos. Lendo as ultimas notícias online, verifico agora que o vento chegou a 230km/h naquela noite. Nenhuma janela ou porta resistiu à fúria da água do mar, areia, pedras e tudo o que encontrou no caminho. As chapas arrancadas aos telhados eram como punhais que entravam dentro das casas. Nossas casas tornaram-se piscinas e protegemo-nos com colchões para não sermos atingidos por objetos e vidros estilhaçados das janelas. A casa que arrendei nos últimos 5 anos, localizada em frente à praia na Ponta Gea, caiu por terra como um baralho de cartas restando apenas a parte traseira da mesma. Vários animais de pequeno porte literalmente voaram, ficando pendurados em árvores ou a apodrecer nos telhados e escombros. Tudo isso durou das 20 horas até às 4h da manhã. A última hora foi a mais perigosa, o vento diminuiu por alguns minutos e depois atacou com mais força, destruindo as últimas casas que sobreviveram às horas anteriores.
No dia seguinte, pedi a dois de nossos marinheiros que fossem à missão de Barada para obter algumas informações, mas o mar e o vento não permitiram a navegação. Então eu pedi a um de nossos motoristas para tomar a rota terrestre, mas depois de 40 km ele teve que voltar para a cidade porque a estrada tinha sido engolida e em seu lugar havia um lago com crocodilos e pessoas presas nas árvores.
Pessoas que caminharam durante dois dias até à Beira disseram-me que aldeias inteiras com casas e pessoas desapareceram. O Presidente da República de Moçambique anunciou que neste momento os distritos de Buzi (Barada e Estaquinha), Chibabava (Mangunde) e Marromeu estão completamente isolados. E segundo ele expressou com preocupação esperam-se centenas de mortes e doenças subsequentes, dado que também pelo que é observável pelas fotografias aéreas que começam a circular, dezenas de corpos flutuam nos rios Buzi e Pungue.
Na cidade à noite, grupos de pessoas andam a vaguear, ninguém sabe se cortam árvores ou cortam pessoas, pois os números de criminalidade violenta aumentaram consideravelmente, tendo-se registado vários ataques a pessoas e assaltos às casas danificadas e abertas.
Enquanto isso, após 4 dias, tenho informações apenas parciais acerca das missões [da Esmabama].
Machanga: a missão não tem mais telhados e os nossos alunos internos dormem sob as árvores e perdemos completamente a criação de porcos.
Estaquinha: Eu só tenho informações sobre o campo agrícola. Perdemos mais de 100 toneladas de milho (alimento por 4 meses em nossos internatos), todas as máquinas agrícolas estão submersas. Um investimento de 200.000 euros engolido pela água. Não tenho informações sobre a missão.
Mangunde: Parte da escola, internato e centro de saúde estão sem teto. As comunidades circunvizinhas estão completamente inundadas.
Nossa missão na praia- Barada: Ainda não tenho novidades e infelizmente temo o pior.
Nosso novo escritório da Beira está quase destruído e policiais armados, guardas e os nossos três cães ficam de guarda dia e noite.
Alguns dos nossos funcionários e estudantes foram feridos, mas até agora ainda não tivemos notícias de mortes entre os nossos.
Continua a chover torrencialmente e prevê-se que se mantenha assim nos próximos dias e os rios continuam a aumentar seu nível de alerta. Os países vizinhos que estão também a ser afetados por chuvas torrenciais irão seguramente abrir as comportas das suas barragens para evitar a sua danificação, pelo que se espera ainda mais cheias na região de Sofala.
Estou consternado e destroçado com este cenário dantesco e com o pânico nos rostos de quem agora teme pela vida e dos seus.
Precisamos de ajuda urgente.
Caso deseje entrar em contacto com a Esmabama e saber como ajudar pode utilizar os contactos que se encontram aqui. O SAPO24 está igualmente a reunir num só artigo — que está a ser atualizado diariamente — todas as iniciativas de apoio a Moçambique. Se deseja ajudar, saiba como aqui.
Acompanhe as notícias mais recentes sobre a catástrofe através deste link.
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