Para que servem os dias mundiais?

Os dias mundiais servem para promover a consciencialização da opinião publica e mobilizar a vontade política e recursos para resolver problemas globais. Estas datas deveriam servir para incentivar ações coordenadas entre governos, sociedade civil, setores público e privado, e cidadãos para abordar questões globais. E, a obesidade é um problema à escala mundial. A OMS estima que haverá 700 milhões de pessoas obesas em 2025, parte de um total de 2,3 mil milhões de adultos com excesso de peso. Em Portugal, a prevalência da obesidade é uma das mais elevadas da Europa, com quase 29% dos portugueses entre os 25 e os 74 anos a viver com esta doença. A pré-obesidade afeta 67,6% da população portuguesa. A obesidade atinge cerca de 12% das crianças e perto de 30% das crianças têm pré-obesidade. Estes dados são alarmantes. Se nada for feito, iremos ter uma sociedade mais doente, com menor esperança de vida, menos produtiva e mais empobrecida. É imperioso implementar medidas eficazes de prevenção de obesidade, mas para aqueles que já têm a doença instalada… a prevenção já vem tarde. Para esses precisamos de conhecer a doença e as suas complicações e tratar de preferência a obesidade antes das complicações se instalarem.

A Obesidade é uma doença?

Sim, a obesidade é uma doença! A obesidade é uma doença crónica, complexa, multifatorial influenciada por fatores genéticos, biológicos, ambientais e psicológicos, que é subdiagnosticada, subtratada e incompreendida, mas, que conhecemos muito bem as suas consequências. A obesidade está associada a mais de 200 doenças ou comorbilidades - os 4 M (consequências Metabólicas, Mecânicas, Mentais e Monetárias).

A Obesidade tem Tratamentos!

O tratamento da obesidade assenta em 3 pilares: a intervenção psicológica e comportamental, a terapêutica farmacológica e a terapêutica cirúrgica. A modificação do estilo de vida (nutrição e atividade física) não são tratamentos da obesidade, mas outcomes do tratamento da obesidade.

O tratamento da obesidade não se deve focar no peso, mas, na redução, regressão ou prevenção das comorbilidades associadas. Se reduzirmos o peso em 5%, 10% ou 15% assistimos a uma redução ou até reversão das múltiplas comorbilidades associadas à obesidade e ainda melhoria da qualidade de vida e aumento da esperança média de vida.

A obesidade é uma doença que deve ser tratada, tal como todas as outras doenças. De uma forma geral, a intervenção farmacológica é uma opção para uma grande percentagem de doentes com obesidade (IMC ≥ 30 Kg/m2) ou sobrecarga ponderal (IMC ≥ 27 Kg/m2) com comorbilidades associadas. Neste momento, em Portugal, dispomos apenas de 4 fármacos aprovados pela Agência Europeia do Medicamento, no entanto nenhum é comparticipado em Portugal.

A obesidade é mais prevalente nas classes sociais mais desfavorecidas, o que gera iniquidade na acessibilidade ao seu tratamento. É fundamental desmistificar a ideia de que o tratamento eficaz da obesidade é um custo para o Estado. Na realidade, trata-se de um investimento importantíssimo para inverter a curva de prevalência da doença crónica no país e das taxas de mortalidade que lhe estão associadas, contribuindo para a sustentabilidade do sistema de saúde.

O estudo “O custo e carga do excesso de peso e da obesidade em Portugal”, mostrou que em 2018, ocorreram 46 269 óbitos por doenças relacionadas com obesidade, o que representou 43% dos óbitos totais ocorridos em Portugal Continental naquele ano. No que diz respeito à carga da doença, esta foi avaliada em anos de vida ajustados pela incapacidade, que juntam os anos de vida perdidos por morte prematura e os anos de vida perdidos por incapacidade. Concluiu-se que a obesidade em Portugal provoca a perda de 203 002 anos de vida ajustados pela incapacidade por ano, valor que supera o número de anos perdidos por acidente vascular cerebral (AVC). O custo direto do excesso de peso e obesidade foi estimado em cerca de 1,2 mil milhões de euros, aproximadamente 0,6% do PIB e 6% das despesas de saúde em Portugal. Este estudo mostrou que as doenças relacionadas com a obesidade que mais contribuíram para os 1,2 mil milhões de euros de custos diretos em saúde eram a diabetes, o acidente vascular cerebral (AVC), a doença cardíaca isquémica e a doença renal crónica. É importante realçar que o custo do tratamento destas doenças é 88 vezes superior aos custos do tratamento da obesidade. Podemos concluir que tratar a obesidade é oneroso, mas não tratar é muito mais dispendioso.

Ao escrever sobre o Dia Mundial da Obesidade de 2025, é crucial enfatizar a necessidade de uma abordagem sistémica e colaborativa, onde TODOS temos um papel a desempenhar para enfrentar este desafio global de saúde pública. E eu elejo 2 prioridades neste combate. Em primeiro, o combate ao estigma associado à obesidade. O estigma está presente em casa, na escola, no trabalho, nos sistemas de saúde e em toda a sociedade. A segunda prioridade é a execução de medidas efetivas para o tratamento da obesidade. Este segundo ponto requer a implementação e execução das propostas do Processo Assistencial Integrado para a Prevenção e Tratamento da Obesidade, o alargamento das consultas multidisciplinares, garantindo o acesso ao tratamento cirúrgico e farmacológico, e a operacionalização do anunciado programa prioritário de Combate e Controlo da Obesidade e previsto no Plano de Emergência e Transformação da Saúde.
Todos precisamos de agir! É urgente agir!

Paula Freitas
Presidente da Sociedade Portuguesa de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo