Aconteceu ontem. Um dos grupos de risco da economia desconfinou, mas os portugueses estão naturalmente com medo de frequentar restaurantes. Porque acham que vão apanhar o vírus, porque não querem gastar dinheiro no meio desta crise, porque durante a quarentena leram Maria de Lourdes Modesto de uma ponta a outra e já acham que dominam todos os pratos d'A Cozinha Tradicional Portuguesa. É normal ter medo. Mas é preciso deixar as reservas de lado e começar a fazer reservas.

Os restaurantes são o refogado da nossa economia. Sem eles, poucas coisas neste país funcionariam. Ou se funcionassem, não teriam graça. O turismo, os vinhos, os negócios imobiliários, os bairros, o negócio do futebol, a cerveja, a agricultura, o fado, o pão, a corrupção - nada disto seria igual se não houvesse em Portugal um tasco porta sim, porta não.

A pequena restauração familiar é dos negócios mais transparentes em Portugal. Vemos tudo a acontecer. O pai na grelha, a mãe nos tachos, o filho nas mesas, a filha na caixa, o primo que em Agosto dá uma mão, o cunhado que conserta uma mesa, a avó que reclama do tempero, o namorado da filha que ajuda o fornecedor a descarregar a Berlingo, a namorada do filho que já agora dá um jeitinho no design na página do Facebook "para ficar mais moderno e dizer que vendemos para fora". É a disfuncionalidade funcional a base do negócio de comida no nosso país. E não é para todos.

Quantos de nós não fantasiámos sobre a ideia de abrir um restaurante com amigos, para depois nos depararmos com a logística, o investimento de dinheiro e de tempo e - sobretudo - a enorme probabilidade de fracasso que abrir uma casa de pasto obriga? Ainda assim, toda a gente tem dezenas de ideias - inspiradas em reality shows - sobre como tornar uma tasca mais rentável. Abrir um restaurante é um perigo. Um perigo que toda a gente acha que é capaz de enfrentar.

Mas como não somos nós a ter uma casa aberta ao público, estamos cheios de moral. "Olhe, oito euros por um bife é muito caro. Repare, não comi estas manteigas. A mousse foi o senhor que a fez? Desta vez o pão não veio quente. Afinal, lembrei-me: comi as manteigas sim. Você podia era dar um jeito à decoração. Isto tem de ter é hambúrgueres e tostas, para a malta jovem. Pois, pois. Está difícil para todos. Desculpe lá, se esta bica é cheia eu não me chamo Joaquim. A minha mulher é que faz umas empadas muito boas. Vou pô-la em contacto consigo. Como assim, o barril acabou? Não percebo. Mas eu quero uma imperial agora. Este robalo é de mar? Sei que já pediu, mas será que ainda posso trocar por bitoque? Febras, afinal. Esqueça, mantenha o robalo. Amigo, desbloqueie-me aqui só a máquina do tabaco. Amigo! A máquina! Ainda não deu! Desbloqueie outra vez. Não deu! Pode trocar-me esta de 20? Amigo? Não tem? Como assim, não tem?. Chame o gerente, se faz favor.” Esperemos então que o facto de os restaurantes estarem limitados a uma de lotação a 50% não se traduza em clientes com noção a 25%.

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