Em nenhum momento do desenvolvimento do processo de aspiração de independência da Catalunha se notou em Puigdemont, Junqueras, Forcadell, Romeva, Turull e nos outros dirigentes independentistas detidos qualquer tipo de incitamento à violência – antes pelo contrário, pediram diálogo com o Estado central e apelaram à moderação. O governo de Barcelona, no tempo em que funcionava, chefiado por Puigdemont, quis levar a questão da independência a referendo – tal como, sabiamente, Londres fez com a Escócia. Madrid rejeitou abrir sequer alguma espécie de diálogo.
É evidente que o movimento independentista catalão – que tem acumulado erros e equívocos políticos – nunca mostrou matriz violenta. Em mais de cinco anos de enormes manifestações nunca houve vidros partidos, nunca houve lixeiras derrubadas. Houve feridos ligeiros em outubro quando a polícia espanhola usou força para reprimir a fantasia catalã de uma consulta popular.
O Estado espanhol demitiu-se de trabalhar politicamente a questão catalã. Passou-a para a esfera dos juízes. O mais experiente dos políticos em Espanha, Felipe Gonzalez (13 anos na chefia do governo, primeiro com aplauso geral, depois com crítica generalizada), hostil à independência da Catalunha e a qualquer desmembramento do Estado, lastimou na semana passada que esteja em funções em Espanha “um governo dos juízes”. É perigoso que assim esteja a acontecer.
Tem sido demonstrado, como aconteceu em dezembro, nas eleições convocadas pelo governo de Madrid, que metade da Catalunha – cerca de dois milhões de cidadãos – vota independentista. Por mais que o respeito do Estado de Direito seja um pilar da democracia e da razão política, o mais elementar sentido de sensatez manda que não se remeta para o Código Penal o tratamento da aspiração de meia Catalunha.
Os políticos – designadamente o governo de Madrid, mas também quase toda a oposição, incluindo o PSOE, em quebra, e os Ciudadanos, em ascensão – deixaram e até promoveram o desvio da questão catalã para o domínio dos juízes. Foi atirá-la para o precipício. Um juiz do Supremo Tribunal espanhol interpreta a aspiração pacífica de independência como rebelião, classifica-a de violenta e criminaliza-a. E desata a mandar prender dirigentes políticos, convertendo-os no que muitos entendem ser presos políticos. Um absurdo numa democracia europeia.
Há nas Espanhas que se confrontam um problema generalizado de incompreensão da realidade e, sobretudo, dramática falta de líderes políticos com estatura. A missão da Justiça não é a de encontrar soluções políticas, é apenas a de investigar e julgar comportamentos que presumivelmente constituam crime. Nunca se viu violência do lado independentista – o mesmo já não se pode dizer dos representantes do poder espanhol.
Parece que nestas Espanhas de agora ninguém consultou algum manual básico de negociação política. Falta que algum estadista promova o diálogo franco, o que começa por identificar os interesses, sentimentos e aspirações em jogo.
A maioria dos catalães, independentistas ou não independentistas, quer sentir-se escutada, reconhecida, respeitada. O governo do juiz de Madrid, com as suas decisões agrestes, só contribui para radicalizar posições e agravar a fratura, quer entre Catalunha e Espanha, quer dentro da Catalunha. Continuar assim, sem que os políticos tratem de encontrar soluções é, evidentemente, um grave erro na vizinha Espanha. Alguém tem de abrir caminho à reconciliação – faz falta em Espanha um Marcelo que procure cuidar os afetos e baixar a intolerância.
Em contraste com esta desesperança espanhola, há a nova esperança de uma nova geração nos Estados Unidos da América. Lia-se num cartaz na enorme manifestação neste sábado em Washington: “No necessitas una pistola para sentirte poderoso”. Andrew, com apenas nove anos, erguia um cartaz (não sabemos se escrito por ele, pelos pais, irmãos ou outros) em que proclamava: “Sou uma criança, não sou um alvo”. Cameron, sobrevivente ao massacre de 14 de fevereiro (17 mortos) na escola de Parkland, prometeu no palco de Washington, perante centenas de milhar de pessoas, a maior parte jovens, mas com participação muito inclusiva, gente de todas as idades e todas as cores: “Vamos criar um mundo melhor para a nossa geração e para as seguintes”. Que esta determinação perdure!
Gente que conseguiu tornar as coisas melhores:
José António Abreu, ao criar o Sistema de Orquestras da Venezuela, mostrou a todo o mundo o valor da audaz confiança no valor educativo da música para a dignidade do ser humano. Tem esta emocionada despedida por todos.
Manuel Reis, um visionário que abriu Lisboa ao cosmopolitismo de hoje.
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