A revolução não iria ser televisionada, anunciava Scott-Heron no início dos anos 70. Provavelmente também não estaria à espera de que fosse retrorefletida. Os caminhos para a insurreição não são lineares, contudo pessoalmente não esperava que o totem para a revolta estivesse descrito no n.º 4 do art. 88.º do Código da Estrada. O movimento dos coletes amarelos é uma revolta contra a Europa, ao mesmo tempo que demonstra um tremendo respeito para com a norma EN 471 de Bruxelas.
Este movimento que, como quase tudo, soa melhor em francês, mauvement des gillets jaunes, tem vindo a escalar nos últimos meses. Respeito as reivindicações dos manifestantes, mas temo que, se a moda calha pegar, possamos vir a assistir ao surgimento de novos grupos de insatisfeitos que se manifestam através do cumprimento das regras da circulação rodoviária. Em 2019, ficarei à espera da Revolução do Triângulo de Sinalização de Emergência ou da Primavera do Documento Único de Circulação.
O que não compagina com o respeito pelo Código da Estrada é obviamente aquela pequena tropelia - penso que nem configura sequer uma contraordenação leve - de incendiar carros. Que estratégia é esta dos franceses que se querem revoltar contra o preço dos combustíveis? “Olhe, eu acho que a gasolina 95 é um roubo, deixa-me aqui encher dez jerricãs para eu ir ali ao 14éme Arrondissement pegar fogo a um Xsara Picasso”. Faz-me confusão. “Sabem o que é que eu vou fazer para demonstrar o meu extremo desagrado pelo governo do meu país e pelas instituições supranacionais? Destruir bens do meu vizinho que há-de estar na mesma situação precária do que eu”.
Os franceses são bons em manifestações. Sugiro que se crie um parque de diversões, uma Motim-lândia Paris. Em vez de barraquinhas de farturas, há barricadas. Em vez de escorregas para piscinas, há camiões de água. Em vez de algodão doce, há gás lacrimogénio. Em vez do Tio Patinhas, há uma profunda revolta para com o falhanço da reforma fiscal.
Quanto à análise do que se está a passar, temos vindo a parecer todos um aluno da escola de condução que está prestes a chumbar no exame. Estamos demasiado focados e ansiosos por virar à esquerda ou à direita, não reparando que temos a marcha-atrás engatada.
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