A expressão “apropriação cultural” tem ganhado destaque nos últimos anos, importada dos Estados Unidos da América, e refere-se a quando alguém se apropria da cultura de uma minoria, algo que passou a ser olhado de lado. Por exemplo, na terra de Trump, um não nativo-americano não pode vestir-se com roupa índia, mesmo que seja no Halloween; um branco usar rastas é um grande “no no” nos dias de hoje e até a ministra da cultura sueca foi acusada de apropriação por ter um estilo de cabelo rastafári.
Ora bem, o que acho sobre a apropriação cultural? Acho que é uma bela treta. Uma das coisas boas do mundo é a mistura de culturas e a fusão entre elas. Se levarmos à letra a apropriação cultural, o rap não poderia ser feito por brancos e não teríamos o Sam The Kid ou o Eminem. O Richie Campbell não poderia cantar com pronuncia jamaicana – o que podia não ser mau de todo – e as portuguesas não poderiam abanar o rabo ao som de um bom funk favela, já que se estão a apropriar dessa bonita tradição brasileira de abanar a picanha. Parece-me ridículo, até porque fomos nós que “descobrimos” o Brasil. Mais, as mulheres caucasianas não poderiam fazer twerk e se bem que evitaríamos ter de ver rabos de pão chapata descoordenados a abanar fora do ritmo, ficaríamos impedidos de apreciar outros que se apropriaram culturalmente de forma impecável.
A única forma de apropriação cultural que olho com apreensão é a que acontece nos Santos Populares. Fui a um arraial e 90% da população era beta. Toda a gente tinha os dentes todos e isso não condiz com os Santos. Os Santos são uma festa do povo para fazer esquecer o primeiro semestre do ano e agora vêm os betos apropriar-se dele? Bebe-se mais gin do que jola e, não tarda, a música mais tocada já não é o pimba, mas sim algum hip-hop, também ele apropriado pelos betos e retirado às classes mais desfavorecidas. Não teria nada contra isso a não ser o facto de com esta apropriação os preços dispararem: a bebida e a comida nos Santos encarecem porque o mercado alvo passa a ser um com maior poder de compra. Uma coisa é ver um beto com cabelo à Playmobil a dançar ao som de Toy, outra é ter de pagar três euros por uma imperial ou cinco por uma bifana. O único ponto positivo seria o de encarecer a sardinha e diminuir o seu consumo, evitando a sua extinção que dizem estar para breve. Isto seria um ponto positivo se eu gostasse de sardinha. Antigamente, usar camisa aberta era bimbo, era Santos Populares, mas também os betos se apropriaram disso para mostrar a peitaça e os fios com penduricalhos que usam. Não tarda, o manjerico é um molho de rúcula gourmet.
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