A tragédia sempre foi um dos catalisadores de audiência, seja nos media ou quando vamos na autoestrada e abrandamos, tentando vislumbrar carcaças ensanguentadas por entre a chapa amolgada. Curiosamente, dizem que com tragédias não se deve fazer piada, mas todos somos atraídos a consumi-la na forma de entretenimento, seja nos telejornais ou revistas, sob o falso pretexto da empatia que sentimos para com as vítimas. Mentira. Queremos sangue. Não temos Coliseus Romanos, mas a nossa sede de tragédia continua viva e prova disso são os painéis de comentadores de atualidade, especialmente na CM TV, que esmifram até ao tutano qualquer crime. Há uns tempos, foi a gordalhufas que matou a mãe, assunto sobre o qual tão eloquentemente aqui escrevi, agora é sobre o triatleta que, alegadamente, foi morto pela mulher e amante.
O que acho giro é que como é preciso transformar a tragédia em entretenimento para alimentar as audiências, a notícia e os factos não podem ser simplesmente veiculados; há que encher chouriços enviando um repórter para o terreno que entrevista familiares, vizinhos, o senhor do snack-bar onde a vítima costumava ir beber a bica, o senhor do quiosque que lhe vendia raspadinhas e o papagaio que vivia lá em casa. Não contentes com toda esta informação relevante, existe agora uma espécie de painel de especialistas em tudo. Tomemos como exemplo o crime do triatleta, ou melhor, do atleta que praticava triatlo, já que o senhor era só um:
- Um psicólogo forense que vai traçar o perfil dos criminosos (ainda sem se ter a certeza se são eles) à distância como as consultas da Maya.
- Um especialista em micro-expressões faciais e linguagem corporal que tem o diploma de ter visto a série Lie to Me toda de seguida.
- Como o falecido era triatleta também têm de estar presentes um professor de natação, um monitor de ginásio que dá aulas de spinning e alguém aleatório que pratica corrida. Neste caso, é necessário também um engenheiro informático pois era essa a profissão do morto e assim fica logo para o painel seguinte em que vão falar do alegado hacker que roubou informações ao Benfica, como se percebessem alguma coisa de pirataria informática.
- Um polícia que vai fardado porque sabe que a forma como junta palavras para formar frases não transmite credibilidade.
- Um advogado para despejar vários termos técnicos e números de artigos só para parecer inteligente e ninguém perceber o que ele diz.
- Uma pessoa afiliada a um partido político que tem sempre uma opinião forte sobre tudo pois é especialista em todo o tipo de assuntos.
- Um jornalista especializado em especular cenários e propagar boatos que ouviu na Internet e que serve para meter medo à população, falando de forma dramática como se estivesse a narrar o trailer de um filme te terror. Mais medo, menos pessoas saem de casa, mais vêem televisão. Está tudo pensado.
- Alguém ligado às pseudociências para falar sobre como o crime ocorreu porque Marte estava na casa seis e as energias do Reiki interferiram com o wi-fi do morto e ele não conseguiu pedir ajuda.
- Um agricultor porque o corpo foi encontrado num terreno onde se cultivam batatas.
- Um nutricionista para explicar que o corpo estava magro quando foi encontrado o que leva à conclusão que já devia estar há uma semana a fazer a dieta detox da seiva e dos cogumelos do tempo, dieta, aliás, presente no livro que o nutricionista acabou de lançar.
A estes ainda se pode juntar um forcado amador, um padre e um hamster de pelo branco, e enquanto discutem todos os detalhes irrelevantes do caso, vão apontando todos os erros que os homicidas cometeram (ainda sem saberem se são culpados) e, no fundo, ensinam como devia ter sido feito para que os espectadores aprendam alguma coisa e não sejam burros, se bem que se estão a ver este tipo de programa pode já não haver solução para esse problema.
Sugestões e dicas de vida completamente imparciais:
Para ver: Nightcrawler
Para rir: Levanta-te e Ri, no Coliseu de Lisboa
Para rir mais: Antestreia ao vivo da segunda temporada do Falta de Chá, dia 6 de Outubro no Musicbox em Lisboa.
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