Benyamin Netanyahou está há quase três meses a responder ao monstruoso ataque do Hamas em 7 de outubro, com um dilúvio de bombas sobre civis palestinianos. Naquele dia de ignomínia morreram 1200 pessoas, a maior parte com cidadania de Israel. Nestes quase três meses de vingança contínua sobre quem vivia nesse pedaço fantasma de projeto de estado palestiniano que é Gaza, já morreram mais de 22 mil pessoas. Quase todas civis. Estamos a testemunhar, de modo passivo, a brutal regressão do direito internacional humanitário.
A crueldade de batalhas no século XIX, designadamente a de Solférino, em que tropas franco piemontesas, comandadas por Napoleão III e por Vítor Emanuel II enfrentaram as de Francisco José da Áustria, no verão de 1859, na batalha pelo controlo do que é hoje o norte da Itália, levou a que no diálogo diplomático entrasse a discussão sobre a definição de regras sobre o modo de conduzir as guerras.
Por mais paradoxal que pareça ,numa engrenagem montada para que prevaleça a lei do mais forte, a realidade mostra que a discussão cresceu e, quase um século depois, após os massacres das duas grandes guerras mundiais, em 12 de agosto de 1949, os principais Estados do planeta subscreveram a Convenção de Genebra, que define as normas de direito internacional humanitário.
A Convenção de Genebra estipula a proteção aos combatentes de todas as partes que estejam feridos ou doentes.
Entre as cláusulas imperativas, figura o respeito pelas populações civis, e pelos seus meios de sobrevivência, especificamente água, alimentos, medicamentos e energia. Em caso de penúria, o abastecimento das populações através de organizações humanitárias imparciais.
Também é proscrita pela Convenção, a tomada de reféns, e qualquer prática cruel, humilhante ou degradante.
Ficou definido que estas regras devem ser respeitadas por todos, signatários ou não da Convenção, sejam Estados ou outras partes em confronto armado.
Ora, tudo isto que a Convenção de Genebra interdita está a acontecer neste momento na Ucrânia e em Gaza.
Desde o começo da invasão da Ucrânia, vai para dois anos, o atacante russo visa deliberadamente populações civis. É uma realidade agravada na última semana, com disparos sobre residências, um hotel e uma escola, como aconteceu em Kharkiv.
Há a novidade de a Ucrânia estar a usar o mesmo método, com o ataque dos últimos dias a alvos civis em Belgogrod, cidade russa perto da fronteira.
Em Gaza, a resposta israelita ao massacre cometido em 7 de outubro pelo Hamas em solo israelita visa oficialmente erradicar este movimento. Mas os factos mostram que as vítimas são, sobretudo, civis, grande parte mulheres e crianças. Sabe-se que 1,8 milhões de pessoas de Gaza estão deslocadas, muitas obrigadas a contínua busca de algum abrigo.Também se sabe que não vão poder voltar a casa porque todas as habitações estão a ser arrasadas, com tudo o que estava lá dentro.
O Hamas cometeu em 7 de outubro o que todas as convenções internacionais classificam como crimes de guerra. Mas essa violência não dá a Israel o direito a, em retaliação, ampliar esses crimes.
Apesar de quase três meses de barbárie em resposta à outra barbárie, Netanyahou não está a conseguir a libertação da totalidade dos reféns (uns 140 continuam sequestrados em condições inimagináveis, provavelmente nas fortalezas subterrâneas de que o Hamas continua a dispor) e não se vê que algum dia possa erradicar o Hamas da cabeça de tantos palestinianos.
O pior está pela frente, com ressentimento e ódio. Estamos em tempos de terrível regressão de décadas de bom avanço do direito humanitário. As escolhas dos cidadãos neste ano 2024 em alguns dos 75 países do mundo que vão a votos podem tornar o quadro ainda mais angustiante. A eleição neste caso mais determinante é a de novembro nos Estados Unidos da América. Os russos também votam já em março, mas aí nada de bom está no horizonte. Resta a esperança de que os eleitores dos EUA nos poupem a ainda mais inferno de ódios.
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