Orban é a criatura que está, com intolerável brutalidade, a fechar a porta aos refugiados, a colocar os migrantes como criminosos, num triste espetáculo que nos repugna a todos. O percurso deste Orban, agora com 52 anos, é uma história de contínua transgressão de básicos princípios democráticos.
Já quis reintroduzir na Hungria a pena de morte. Promoveu medidas intimidatórias da liberdade de expressão e dos media, submetendo as rádios, as TVs e os jornais a controlo administrativo, isto é, censura. São conhecidas as suas pressões sobre juízes, o desprezo por homossexuais, a hostilidade com as minorias étnicas. A prática política de Orban nutre a xenofobia.
Consegue, apesar disto, seduzir o eleitorado húngaro que se rende ao carisma deste chefe. Líder do partido ultraconservador Fidesz, arrasa em sucessivas eleições, foi primeiro-ministro da Hungria entre 1998 e 2002, agora está em funções desde 2010. Orban interpreta o sentimento de ampla parte da população húngara bombardeada com mensagens que alertam para a ameaça à unidade da nação húngara com “a invasão de muçulmanos” capaz de inquinar a tradição cristã do país.
O fantasma da “invasão inimiga” rende-lhe apoios e votos.
Gente como Orban tem posto a Europa à beira da bancarrota política.
Perante as emergências, as democracias europeias que foram capazes de ser altruístas no tempo da guerra fria (os europeus acolheram de braços abertos uns 300 mil refugiados húngaros quando, em 1956, os tanques soviéticos entraram em Budapeste) ou da reunificação alemã, agora, vacilam.
Na implosão da Jugoslávia, nos anos 90, a Europa tardou demasiado a agir e testemunhou as mais horríveis matanças em solo europeu desde o tempo da II Guerra Mundial. Uma liderança mais sábia e ágil poderia ter evitado tanto massacre, de Sarajevo ao Kosovo. Acabou por intervir com eficácia, mas depois de tanta vida perdida.
Neste último ano da crise grega o Euro esteve à beira de colapsar. Foi salvo depois de tanto tempo perdido e tanta amargura na vida de tanta gente.
Agora é Orban e outros como ele que aspiram pôr fim à Europa sem fronteiras de Schengen. Não pode consegui-lo. Porque a liberdade total de circulação entre os países, incluindo o programa Erasmus, é, para os cidadãos, a par da moeda única, o sinal mais concreto de existência da União Europeia.
Será que a União pode ter no seu interior criaturas, como Orban, que não querem respirar o espírito de
liberdade, de humanismo, de justiça, de democracia e de solidariedade que são a alma fundadora da União Europeia?
No ano 2000, quando o xenófobo ultranacionalista Jorg Haider foi admitido no governo de Viena, os outros 14 Estados membros (então, a Hungria ainda estava em lista de espera para entrar no clube europeu) reagiram sem tibiezas e impuseram sanções políticas e diplomáticas à Áustria. Foram suspensos todos os contactos oficiais entre os países da União e o governo de Viena e os austríacos chegaram a ter suspenso o seu acesso às reuniões europeias. Haider, entretanto falecido, se o compararmos com Orban, quase aparece como um democrata.
Como é possível que os dirigentes europeus fiquem de braços cruzados perante esta continuada infeção húngara dentro da União?
O que está a acontecer é uma vergonha para todos. Inaceitável.
Está evidenciado que é urgente que se abra a discussão sobre o que quer ser a Europa. Imprescindível e urgente.
VALE SEGUIR NOS PRÓXIMOS DIAS
O Papa Francisco, depois de abraçar Cuba (há quem diga que, apesar da subtileza papal, esta presença não teve o impacto da histórica visita de João Paulo II com o voto de que Cuba se abrisse ao mundo e o mundo se abrisse a Cuba), discursa amanhã no Congresso dos Estados Unidos (é a primeira vez de um papa na casa da democracia dos EUA) e depois de amanhã perante a Assembleia Geral da ONU. Há que ouvir com atenção e aqui temos um guia, aqui outro e aqui ainda um outro. O primeiro Papa que escolheu o nome de Francisco é, todos sabemos, um Papa que pensa e combate pelas pessoas. Tem dentro dele uma essencial energia revolucionária que traz a igreja para o mundo moderno. Tem a palavra certeira e justa, como também se vai ouvir na ONU.
A Catalunha vota no domingo em eleições autonómicas que são um teste à vontade independentista da mais pujante região ibérica. Quantos dos sete milhões e meio de catalães vão votar no domingo? Se a vitória dos independentistas for robusta, que efeito vai ter numa Espanha que rejeita qualquer separação? Estão aqui algumas chaves para entendermos o que está em causa.
Os dados das sondagens continuam a falhar a previsão de resultados eleitorais. Depois do Reino Unido, agora na Grécia. Tsipras, equilibrista mestre em estratégia política, soube levar o Syriza à vitória. Os eleitores gregos viram o Syriza como um mal menor perante os cenários de cedência da nova Democracia aos diktats do poder financeiro euroamericano. Fica para saber como vai Tsipras lidar com as nuvens negras que tem no horizonte.
O que nos dizem as sondagens portuguesas?
A coligação de direita aparece na frente na tracking poll da Intercampus e na do CESOP. Vale sempre ler a análise de Pedro Magalhães.
PARA SEMPRE
Conheci e fiz-me amigo de um transmontano da melhor cepa, sábio amante de poesia, extraordinário editor de livros, ele foi a alma que deu grande corpo à Assírio & Alvim. Falo de Manuel Hermínio Monteiro, amigo dedicado a tantos que o estimavam. Os abraços deste homem de afecto e inteligência eram rijos e únicos. Ele sabia como ninguém entender os seus escritores. O Hermínio morreu há 14 anos, penso nele tantas vezes. Lembrei-me dele, mais uma vez, ao saber da morte de Vítor Silva Tavares, o editor resistente da &etc, um homem que nos pôs a ler livros (de Adília Lopes a Rilke) que logo ao primeiro olhar se sabia serem da &etc. Vale regressar à evocação de Vítor Silva Tavares através desta crónica, já com quase dois anos. Também no começo desta semana morreu Carmen Balcells, agente literária, figura chave para a literatura em castelhano do século XX. É muito bonita esta despedida.
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