
Passamos a vida a falar dos conflitos nesta região, mas do conflito principal, entre o Governo de Israel e o Hamas ainda não dissemos nada este ano, embora tenhamos a certeza absoluta, absolutíssima, de que vamos ter assunto para os próximos anos, décadas, centúrias (a cargo dos meus sucessores, evidentemente…)
A própria maneira de falar nos acontecimentos na região - que pode ser chamada de Península da Arábia ou Próximo Oriente - varia ao longo da História, conforme as partes em conflito passam por novos desequilíbrios (tinha escrito “equilíbrios”, mas de facto a palavra não se aplica).
A situação acumula, talvez mais do que qualquer outra em todos os tempos, todo o tipo de problemas que transformam os homens em Seres do Mal. É interessante, e há tantas coisas incompreensivelmente interessantes nesta História, porque são os mesmos homens que se tornam bons ou maus conforme o momento. Também notável que os homens que criaram e alimentam esta situação intolerável são estrangeiros; nasceram e viveram longe da refrega.
Para não escrevermos aqui um tratado de história, começamos em 70 AC (antes de Cristo) quando as legiões de Roma destruíram o segundo Templo de Jerusalém e ocuparam o que então era a Galileia. Começou então a chamada diáspora - os judeus abandonaram o seu país e espalharam-se pela Terra, levando consigo a sua religião sui-generis, porque era a única que tinha um livro a contar a história da Humanidade desde Adão e Eva.
(Se não acredita em Adão e Eva, não tem importância. Pode considerar o momento no filme “2001, Odisseia do Espaço” em que um macaco olha para monólito alienígena e usa uma tíbia como instrumento, ou em qualquer outra teoria do aparecimento do Homo Sapiens). Desde logo, os judeus dividiram-se em dois grupos: os cristãos, e os ortodoxos, que achavam que Cristo era falso e o Salvador ainda havia de chegar um dia.
Roma era nessa altura a capital do maior império conhecido pelos ocidentais e portanto muitos judeus instalaram-se lá. Um dos maiores sucessos da cultura romana era a adopção de todos os deuses dos países que conquistava.
Ora os judeus achavam que Deus há só um (o deles) e isso tornou-os alvo de constantes perseguições. Com o tempo, como sabemos, o ramo cristão da religião judaica conseguiu converter o Imperador Constantino, e em 381 o Império Romano tornou-se oficialmente cristão. Ao mesmo tempo, evidentemente, intolerante com todas as outras religiões.
Não se fique por aqui, porque não vou contar a História toda. O que me interessa é a actualidade e, ainda mais, o futuro.
E damos um salto para o Século VI, quando Maomé, nascido em Meca, escreveu o Corão, com uma história igualmente monoteísta e que até inclui algumas entidades existentes na Bíblia. (Não se prenda com a ortografia; “Maomé” e “Corão” podem ser grafados de várias maneiras.) Graças à adopção do Corão por muitas tribos e dinastias da região, em poucos séculos os muçulmanos tornaram-se uma força enorme, que se estendia da Etiópia até à atual Argélia - e depois para a Índia e o SAEL.
(Vamos dar mais um salto, até ao século XIII, para o leitor não ficar a reler coisas que está farto de saber, sobretudo se estudou durante o Estado Novo.)
Então no século XIV, mais ou menos, os muçulmanos dominavam todo o Norte de África, a Turquia e muitas regiões da Índia e Oriente em geral. Os cristãos estavam fixados na Europa actual e igualmente fixados em acabar com os muçulmanos, porque estes tinham ficado com Jerusalém, a cidade sagrada dos cristãos (tinham sido judeus, lembra-se?), todas as rotas comerciais para toda a parte fora da Europa e até uma parte da Península Ibérica. Quanto aos judeus, adoptaram a política que os manteria vivos até hoje: instalavam-se em bairros próprios (ghetos), davam-se bem com toda a gente e, sobretudo, eram os financeiros e negociantes dos reinos cristãos e árabes. Criaram também um conceito que hoje é banal mas nesses tempos do Demo tinha muita utilidade: a dupla nacionalidade. Na verdade, a nacionalidade de onde estavam inseridos, e a religião que era só sua. Davam-se bem com todos, mas eram particularmente detestados pelos cristãos, que os acusavam de crucificar Cristo às mãos dos romanos, e porque se sentiam inferiorizados por eles nos negócios. Sempre que aparecia alguma peste, ou o mau tempo destruía as colheitas, ou outra desgraça qualquer, os culpados eram os judeus.
Alguns ficaram ricos e emprestavam aos reis e grandes senhores, mas quando os devedores estavam muito apertados mandavam-nos perseguir ou expulsar - ficando-lhes com os bens, evidentemente. Inventaram até um sistema infernal, a Inquisição, com o único intuito de descobrir os verdadeiros judeus (isto é, os que não se tinham convertido e praticavam os seus rituais às escondidas) e matá-los com a maior crueldade possível. Isto escrito assim parece uma estupidez, mas acreditem que é tudo verdade…
(Como isto já vai longo, vamos dar outro salto, para o final do século XIX.) Como calcula, os judeus estavam fartos de ser abusados e perseguidos. Houve várias tentativas de se defenderem, ou conseguindo decretos favoráveis ou agradando aos senhores, mas a maldição mantinha-se. Mesmo no final do século, na Suíça, nasceu o movimento sionista, com o objectivo de fazer voltar os judeus para as suas terras, abandonadas no século 70 AC) e que agora estavam quase fazias, com alguns pastores e pequenos agricultores, sob o domínio do Império Otomano. O homem considerado fundador do movimento chama-se Theodor Herzl.
A oportunidade surgiu com a derrota e desmembramento dos otomanos, na I Guerra Mundial. Em 1916, os ingleses e os franceses reuniram-se e dividiram a península da Arábia mais ou menos de qualquer maneira, considerando a área de influência de algumas tribos (como os sauditas) e ignorando outras (como os curdos.) Ao mesmo tempo Lord Balfour, ministro dos Negócios Estrangeiros Inglês, para acalmar os judeus norte-americanos, que já tinham bastante influência no país, em 1917 prometeu o contrário do que os ingleses e franceses tinham decidido: criar um estado judaico na orla mediterrânea, onde tinha sido a Israel Bíblica.
Logo no final da I Guerra Mundial alguns judeus deslocaram-se para a região, em condições deploráveis, mas não piores do que os pastores de cabras árabes que já lá viviam.
Nova rabanada dos ventos da História: os nazis chegam ao poder na Alemanha em 1933 e Hitler tinha um ódio particular aos judeus, não se sabe porquê - quer dizer, haviam muitos judeus na Alemanha, e alguns até muito ricos, mas identificavam-se mais como alemães do que como judeus. O facto é que Hitler os escolheu como bode expiatório, o que não tem nada de original, como vimos. O que foi original foi matá-los ao nível industrial, liquidando cerca de seis milhões em campos de extermínio organizados.
E pronto, chegamos ao momento que nos interessa, isto é, 1945.
Durante a II Guerra Mundial já havia a percepção do que Hitler estava a fazer aos judeus e começou, sobretudo nos Estados Unidos, a ideia de finalmente reconstruir Israel, um país a que tinham direito e onde teriam soberania.
Há várias histórias, não sei se apócrifas, como instalá-los em Angola, se loucas, como enviá-los para a Lua, mas nenhum projecto ganhou tanta tracção como o que realmente lhes interessava: ir para as margens do Mediterrâneo, onde se tinham fixado depois da fuga do Egipto, no século XIII AC (isso mesmo: 1300 anos antes da era cristã).
O movimento ganhou força e, nos anos 1945-47, milhares de judeus alugaram navios e desembarcaram naquelas terras estéreis, cheios de esperança. A Palestina, segundo o acordo Sykes-Picot, esta sob o mandato inglês e havia lá algumas companhias a apanhar sol. Rapidamente se incompatibilizaram com os judeus. Num acordo entre americanos, ingleses e franceses, foi decidido deixar os kibbutzim em paz. Os ingleses retiraram-se e os americanos descarregaram o armamento de que já não precisavam.
Como a maioria dos recém-chegados eram socialistas, formaram-se em comunidades - os tais kibbutzim - e compraram na Europa os equipamentos e os fertilizantes a que os pastores de cabras não tinha acesso. Em seguida compram mais terras ao palestinianos e, pouco depois, começaram a tirar-lhes as terras que não queriam vender.
De repente, em 1947, os países árabes das redondezas - Líbano, Síria, Jordânia e Egipto - viram que aquele recanto bucólico se tinha transformado num país moderno (mais moderno que os deles, certamente), democrático e armado.
A partir daqui, acho que conhece bem a História.
O que talvez não tenha reparado é que o conflito israelita se espalhou por todo o mundo, numa forma menos mortal mas igualmente violenta. Não lhe conto o que se passa nas universidades americanas, onde estudantes pró-israel e estudantes pró-hamas passam dias à pancada, sem que a polícia intervenha. E os reitores despedidos porque permitiram uma sessão de esclarecimento pró-israelita ou uma apresentação pró-árabe.
Na Europa, o anti-semitismo, que não só estava morto como esquecido, renasceu com uma violência impressionante.
Quanto ao que se passa na região hoje, não vale a pena dizer-lhe, porque com certeza está na televisão. O que interessa é que a solução chamada “dois-estados” se tornou completamente impossível e, não havendo outra solução igualmente pacífica e definitiva à vista, não se sabe como acabará. Atrevo-me a dizer que não acabará. Alguma ideia salvadora (que não envolva matar toda a gente)?
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