“Salvei o euro [juntamente com a minha equipa], em 2010, e Portugal sabe bem disso, porque comprei títulos de dívida portuguesa na altura, quando houve uma especulação devastadora” contra Portugal, a Grécia e a Irlanda, afirmou o antigo presidente do BCE em entrevista à Lusa, à margem da conferência “O euro 20 anos depois: a estreia, o presente e as aspirações para o futuro”, que decorreu no Museu do Dinheiro, em Lisboa, na sexta-feira.
Naquela altura, Portugal era um dos países da zona euro que estava na mira dos mercados financeiros, com os juros das obrigações portuguesas a registar máximos históricos, reflexo do risco percecionado em relação ao país.
Em novembro de 2010, os juros da dívida portuguesa a 10 anos superaram os 7% no mercado secundário, um máximo histórico, e o nível a partir do qual o então ministro das Finanças, Teixeira dos Santos, tinha apontado, numa entrevista ao Expresso, como a barreira com a qual se começava a colocar a hipótese de recorrer ao resgate do fundo europeu e do Fundo Monetário Internacional (FMI).
Em abril de 2011, Portugal pediu ajuda financeira externa.
Na entrevista à agência Lusa, o antigo presidente do BCE recordou que, na altura, “o mercado de Nova Iorque estava convencido de que o euro iria desaparecer e que a zona euro seria desmantelada”.
“Tivemos de lidar com a grande crise desencadeada pela falência do Lehman Brothers nos Estados Unidos e tomar uma série de decisões extraordinárias”, que passaram pela compra de obrigações do Tesouro de Portugal, da Grécia e da Irlanda, recordou o economista francês, adiantando que foram, naquela altura, “decisões muito ousadas” e “muito criticadas”.
Trichet respondia quando questionado sobre os oito anos do mandato do seu sucessor, Mario Draghi, considerado por muitos o ‘salvador do euro’ pelo conjunto de medidas que tomou, e que cedeu lugar na liderança do BCE a Christine Lagarde, que tomou posse em 01 de novembro.
O antigo presidente do BCE disse que “vê uma grande continuidade nos esforços” empreendidos por si e por Draghi “para manter o empreendimento histórico do euro e da Europa no seu conjunto”. “Porque o euro está na vanguarda da construção europeia”, disse.
Questionado sobre se Draghi deixou uma herança pesada a Christine Lagarde, perante as divergências no seio do BCE sobre as medidas de estímulo à economia da zona euro, Trichet considerou que “não”.
“Na altura em que eu era presidente do BCE tive a demissão de dois colegas que não estavam satisfeitos com as decisões que tomámos”, recordou, acrescentando que “é normal nem todos os membros do Conselho de Governadores estarem de acordo” e que é algo que acontece “em todos os bancos centrais”.
“É muito frequente haver diferentes pontos de vista na Reserva Federal ou no Banco de Inglaterra ou no Banco do Japão”, acrescentou, frisando que, apesar do presidente do BCE ser aquele que “apresenta as decisões a todos os cidadãos, aos mercados e à opinião pública”, tendo, por isso, maior visibilidade, as decisões são tomadas pela maioria dos membros do conselho de governadores.
Sobre a nova presidente do BCE, Christine Lagarde, o economista francês sublinhou que “a continuidade é muito importante”.
“Tenho a certeza que Christine Lagarde manterá a continuidade das decisões que foram tomadas no tempo de Mario Draghi, da mesma forma que existiu uma continuidade entre o meu mandato e o de Draghi”, defendeu.
Questionado sobre se acredita que Lagarde conseguirá aquilo que nem ele nem Mario Draghi conseguiram — convencer os governos da zona euro de que é preciso atuarem a favor da economia da zona euro e não apenas o BCE –, Trichet manifestou-se convicto de que existe um consenso nesse sentido, que inclui Lagarde.
O antigo presidente do BCE disse ser “óbvio” que o banco central não pode ser a única entidade sempre disponível para agir, mas que “também é óbvio que não é fácil para os outros parceiros, incluindo governos, deputados e outros poderes executivos tomar decisões neste domínio”.
Jean-Claude Trichet foi o segundo presidente do BCE, entre 2003 e 2011, depois do holandês Wim Duisenberg, que foi o primeiro presidente da instituição, e é atualmente presidente do Conselho de Administração do Bruegel, um ‘think tank’ europeu especializado em economia.
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