O Estado já recuperou 406,3 milhões de euros da garantia de 450 milhões prestada ao Banco Privado Português (BPP) e a Comissão Liquidatária acaba de ordenar o último pagamento ao credor privilegiado que ainda tinha dinheiro a receber. Feitas as contas, o Estado tem ainda a receber 43,7 milhões de euros.
Apesar de o valor recuperado ter sido confirmado ao SAPO24 pelo Ministério das Finanças, os relatórios e mapas contabilísticos da Conta Geral do Estado (bem como as sínteses de execução orçamental) mostram um pagamento no valor de 72,6 milhões de euros, correspondente à "recuperação parcial, em 2017, da garantia prestada ao BPP" (págs. 12 e 44 da Conta Geral do Estado desse ano e informação repetida em 2018), montante que desaparece.
A ser assim, o Estado já teria recebido 478,9 milhões de euros, ultrapassando o valor integral da garantia prestada. Mas ninguém parece saber explicar esta diferença.
Ao contrário do Orçamento do Estado, que é apenas uma previsão de receitas e despesas, a Conta Geral do Estado é a execução, ou seja, os gastos e ganhos reais. Como os relatórios e contas de qualquer empresa, depois de aprovados — no caso da Conta Geral do Estado pela Assembleia da República, depois de análise e parecer do Tribunal de Contas —, não devia sofrer alterações.
Do gabinete do Ministro das Finanças, João Leão, apenas é possível ficar a saber que já este ano foi feito uma pagamento parcial no valor global de 62,9 milhões de euros, embora os restantes pagamentos parciais não venham discriminados por ano.
Num anúncio com data de 15 de setembro publicado nos jornais "Público" e "Expresso", e apesar de os relatórios só terem dado entrada no tribunal no dia 22 do mesmo mês (como descrito mais à frente neste texto), a Comissão Liquidatária dá conta de que cerca de 305 milhões de euros foram pagos "diretamente do BPP" e outros cerca de 100 milhões resultaram "da afetação de outros ativos do BPP".
No referido comunicado, a Comissão Liquidatária confirma que os pagamentos começaram a ser feitos em 2017: "Em 2017, a Comissão Liquidatária, conforme consta dos requerimentos apresentados no processo de liquidação, iniciou pagamentos parciais aos credores garantidos, Estado Português, Sistema de Indemnização aos Investidores [SII] e Fundo de Garantia de Depósitos [FGD]". Nos pagamentos ao Estado detalhados por ano, contudo, não há valores pagos anteriores a 2018. Quanto ao SII e FGD, no relatório do quarto trimestre de 2020 pode ler-se que "desde 2019, encontram-se liquidados aos sistemas de garantia os montantes dos créditos que lhes foram reconhecidos enquanto credores garantidos".
A advogada da Comissão Liquidatária, Ana Mendes Martins, avançou entretanto que foi agora dada ordem para ser feito o último pagamento ao único credor privilegiado que falta indemnizar. Isto significa, na prática, que já não restam dúvidas de que o Estado irá recuperar a totalidade da garantia prestada.
De acordo com a lei, a graduação de créditos, ou seja, a hierarquia de pagamentos, segue esta ordem: primeiro créditos garantidos (beneficiem de garantias reais), segundo créditos privilegiados (com privilégios sobre bens da massa insolvente, mobiliários e imobiliários, neste caso no valor de 447 milhões), depois créditos comuns (todos os demais, 944,1 milhões) e, por último, créditos subordinados (por exemplo, os detidos por pessoas especialmente relacionadas com o devedor, 221,5 milhões). Nesta altura, diversos credores do BPP já foram ressarcidos, alguns pagos na totalidade (e até com juros), outros apenas parcialmente.
Comissão Liquidatária com 4,2 milhões de prejuízos em 2020
A Comissão Liquidatária do Banco Privado Português entregou finalmente ao juiz parte dos relatórios trimestrais em atraso, visados pela Comissão de Credores a 22 de setembro e entrados no Tribunal do Comércio de Lisboa no mesmo dia, oito de uma assentada. As contas de 2021 continuam em falta.
De acordo com o relatório número 40, relativo ao último trimestre do ano passado, o BPP apresentou em 2020 um prejuízo de 4,2 milhões de euros, sobretudo devido a custos com pessoal (2 milhões de euros), outros gastos administrativos (2,1 milhões de euros) e perdas em operações financeiras (1,3 milhões de euros).
O último relatório tem cerca de 39 páginas e não difere muito dos anteriores. A novidade é que dos 51 imóveis recebidos em dação (entregues como pagamento de dívidas), quatro foram vendidos em 2020 - perfazendo oito no total.
Os leilões online através da plataforma Onefix - Leiloeiros Unipessoal, Lda. mantêm-se a decorrer e foram ainda acordados os termos do contrato de mediação imobiliária a celebrar com a Medispace - Consultoria Imobiliária, Lda. para proceder à venda dos restantes imóveis que não se encontram à venda na leiloeira.
A advogada Ana Mendes Martins confirmou ainda que a Comissão Liquidatária comprou a antiga sede do BPP, acrescentando que teve para isso o acordo da Comissão de Credores. A justificação é que o valor oferecido por um potencial comprador era muito abaixo do valor de mercado, pelo que a Comissão Liquidatária optou por comprá-lo a um preço considerado justo para mais tarde vender o imóvel com mais-valia, dinheiro que reverterá para a massa falida a distribuir pelos credores.
Os dois edifícios onde se encontram as instalações do banco estão avaliados, de acordo com os relatórios da Comissão Liquidatária, em três milhões de euros.
Jaime Antunes, líder da Privado Clientes, associação que deu origem ao Fundo Especial de Investimento, ex-acionista e credor do BPP, não compreende o negócio. "Onde está o mandato da Comissão Liquidatária para comprar e vender imóveis?", questiona. Além disso, considera, "a Comissão de Credores, composta por cinco membros, incluindo Estado, representantes do Fundo de Garantia de Depósitos, dos trabalhadores e dos credores privilegiados, que já foram pagos até com juros", pelo que "não representa os credores comuns, até agora os mais prejudicados".
Nesta altura, e apesar da notificação do juiz do processo - que entretanto, em setembro deste ano, mudou - a Comissão Liquidatária ainda não cumpriu a ordem para entregar o mapa de rateio, com a indicação do montante que cada credor tem a receber. Os pagamentos poderão ser feitos logo que a garantia do Estado seja paga na íntegra.
A Comissão Liquidatária pede ainda mais tempo, já que "encontram-se ainda pendentes dezenas de ações judiciais" que "impactam na prossecução e encerramento do processo de liquidação e condicional o rateio final e pagamento ao credores". Neste momento existem 45 ações pendentes em tribunal, nalgumas o BPP é autor, noutras réu.
Jaime Antunes e outros credores temem que a Comissão Liquidatária venha a gastar mais consigo própria do que potencialmente poderá receber com todos estes processos.
A Comissão Liquidatária, nomeada pelo juiz sob proposta do Banco de Portugal - e constituída por quadros do Banco de Portugal -, iniciou a sua atividade a 4 e maio de 2010. Passados quase 12 anos, e de acordo com o último relatório de 2020, tem um ativo líquido de 362 milhões de euros e um passivo de 1.322 milhões de euros, o que dá uma situação líquida negativa de 960 milhões.
Os três membros da Comissão Liquidatária representam um custo anual de mais de 154 mil euros em salários, mas a insolvência do BPP não está apenas na mão de três pessoas e sim na de 28, o que significa um salário médio anual de 75 mil euros, mais de 5 mil euros mês.
Pouco depois tomar posse, a Comissão Liquidatária contratou, em regime de prestação de serviços, cinco colaboradores: dois técnicos do Banco de Portugal em regime de part-time, uma técnica com funções administrativas e dois advogados. Foram ainda contratados "outros serviços de natureza diversa, necessários à administração corrente da liquidação, com especial relevo para os serviços jurídicos solicitados a vários escritórios de advocacia, essencialmente para assegurar o pesados contencioso existente em Portugal e Espanha".
Em onze anos a Comissão Liquidatária já custou mais de 50 milhões de euros (cinco vezes o valor do imobilizado, arte e edifícios onde funciona a Comissão Liquidatária). Os credores comuns põem em causa o tempo e dinheiro gastos.
Ao longo deste período o BPP continua a acompanhar, na qualidade de credor, os processos de insolvência da Privado Holding, da Privado Geste, da Holma - Serviços de Consultoria e da Imoseagle Sete.
A Holma, por exemplo, é a empresa que detém a Fundação Ellipse, dona de uma das maiores coleções de arte contemporânea a nível mundial, com mais de 700 obras. O BPP é credor de uma verba que ronda os 21 milhões de euros.
Note-se, por exemplo, que as contas de 2016 e 2017 ainda estão a ser auditadas, e só agora, depois da oitava versão, as contas de 2014 e 2015 foram consideradas finais.
Comentários