“O número de jogadores com habilidade natural, talentosos, é menor do que há uns anos”. Quem o afirma, com total propriedade de conhecimento, é Aurélio Pereira, coordenador do departamento de recrutamento e formação do Sporting Clube de Portugal, durante uma sessão de formação “do observar ao jogar”, organizado pela Talent Spy, plataforma tecnológica de scouting.
O responsável recordou ainda que Ronaldo nunca foi campeão na formação e alertou que a prioridade deve ser formar os jogadores. Depois, vêm as equipas recheadas de títulos. A criatividade, por seu turno, tem de ter espaço e ser trabalhada.
Para o homem que descobriu e formou Ronaldo e a mais de uma dezena de jogadores que se sagraram campeões europeus e que passaram pelas suas mãos no Sporting, “há treinadores a matar a criatividade”, e ironiza: “o treinador quer ser Mourinho, o pai, o Jorge Mendes e o filho, o Ronaldo”.
Reconhecendo o “trabalho fantástico” que está a ser feito na formação, alerta, no entanto, que se está a “ignorar o futebol de rua”. Para Aurélio Pereira, o futebol até aos sub14, que “é um negócio”, está a ser tratado como um “ensino fechado e rígido”, pelo que avisa que “não podemos não continuar a olhar para a nossa matéria-prima”.
Recuperando a filosofia da Academia de Alcochete e da formação do Sporting de “formar jogadores vencedores antes de formar equipas vencedoras”, o responsável máximo da formação leonina recordou que “Ronaldo nunca foi campeão na formação”.
Sobre a introdução das novas tecnologias, diz aceitá-las, no entanto, sublinhou que o “futebol continua a ser praticado por seres humanos”.
“Quando em sete jogadores, todos jogam de igual forma, há algo errado”
Para Mara Vieira, selecionadora da Associação de Futebol do Porto, o talento pode ser detetado de “mil formas”. Seja pela “disputa de bola ou a forma como corre”, exemplificou”. O talento “nasce connosco, dizia-se há uns anos, há algo de genética, mas também é construído (a maior parte). Se não treinarmos...”, deixou no ar.
Porque “nem toda a gente tem que ser bom na mesma coisa”, para a ex-jogadora de futsal é “um risco formatar jogadores, não respeitando o crescimento das crianças. É um erro não respeitar certas características dos jogadores, detetar naquilo que são bons e levá-los a serem as melhores”, frisou. “Quando em sete jogadores, todos jogam de igual forma, há algo errado”, concluiu.
Para João Nuno Fonseca, ex-analista da Academia Aspire (academia de futebol no Qatar) os “treinadores tem que mudar o paradigma e deixar a criatividade vir ao de cima”.
Da deteção do talento para o agenciamento, Óscar Botelho, da ProEleven, empresa de gestão desportiva especializada na gestão de carreiras de jogadores e treinadores de futebol, reconheceu que “todos os dias há um jogador a jogar em qualquer lado do mundo e o acompanhamento tem de ser feito”. E no seu caso, no ano passado, observou “104 jogos oficiais, de futebol sénior”. Depois o trabalho de análise, dos jogadores agenciados e de outros, os dados são tratados, cruzados e partilhados com jogadores e técnicos. E com uma particularidade. “A criação de equipas sombras (algo que foi feito com Marco Silva, treinador agenciado)”.
Sobre putativos conflitos de interesses entre treinadores e jogadores que representam, Óscar Botelho foi lapidar: “não temos nenhum jogador no Hull City (equipa orientada por Marco Silva)”. E acrescenta. “Quanto menos jogadores tivermos junto dos nossos treinadores, melhor para todos”.
Embora o objetivo empresa seja “fazer dinheiro” e por isso procurar “recrutar jogadores com determinado perfil”, no campo das transferências “o jogador tem sempre a última palavra”, sublinhou. “Se jogador estiver satisfeito no clube não é objetivo empresa promover a transferência”, reforçou. Com mais de 90 jogadores agenciados, “mais que recrutar estamos preocupados em dar melhores condições e procurar soluções dos que temos”.
Tenha cuidado antes de festejar um golo. Pode não ser contratado
“Quem vai andar à procura de segredos não vai encontrar”. Quem o afirmou foi Joel Rocha, treinador de futsal do Sport Lisboa e Benfica, que falou sobre o scouting. Sobre a observação esta é a “particularidade que nenhum software tem. Só os homens. E isso faz a diferença que esta naquilo que vemos e o feeling. O resto é introduzir informação”, comentou.
Sobre a sua conceção de scouting: “conhecer a 1000% a minha identidade e contextualizar a nossa identidade nas características observadas”. Sobre as contratações desvendou a fórmula. “Antes de contratarmos, lemos as últimas entrevistas que o jogador deu, o que escreve nas redes sociais e vamos ao ponto de ver como festeja os golos”.
Em relação à observação atirou que “ignorar que se é observado estamos a perder 1-0” e sustentou que “não vemos todos o mesmo porque o conhecimento que temos do jogo interfere no que vemos”. Assumiu ainda que “a equipa que melhor conheço além da minha é o adversário direto”. E recordou, a título de curiosidade, que “gastei zero minutos antes do jogo com o Sporting no ano passado”, concluiu.
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