Quando Juventus e Atlético Madrid entraram em campo, os respetivos jogadores de cada equipa estavam posicionados em universos paralelos diferentes. A equipa madrilena, que trazia para Turim uma vantagem de 2-0 da primeira mão, habitava um lugar em que o tempo corria mais devagar do que o normal; do lado oposto, a formação de Cristiano Ronaldo e companhia vivia num espaço de tempo em que tudo parecia estar acelerado, em que cada segundo caía à velocidade de um microssegundo.
O tempo que teoricamente corre da mesma maneira para todos tem, na verdade, uma perceção real que difere da contagem normal do tic tac dos relógios. Depende de que lado estamos neste caso, se do lado de quem quer preservar a vantagem, se do lado de quem tem de jogar para uma remontada histórica. Se é verdade que a maior parte da vida somamos os segundos num tic tac ritmado na cadência dos sessenta, é igualmente possível afirmar que nos momentos mais intensos, em que o nosso estado de alma está fora do ritmo, o tempo não passa da mesma forma. Ontem o jogo não teve 90 minutos para toda a gente, porque se isto é verdade para um adepto, imaginemos para um jogador no relvado.
Isto poderiam ser dois parágrafos para explicar os primeiros minutos do Juventus - Atlético a contar para a segunda mão dos oitavos-de-final da Liga dos Campeões desta terça-feira. Um jogo em que a turma de Allegri entrou mais agressiva, sufocou a equipa espanhola com CR7 e Bernardeschi particularmente ativos. Podia ser pretexto para falar da barreira defensiva espanhola que se colocou diante da bola à espera de conseguir suportar uma chuva ofensiva de 90 minutos sem conseguir ir à procura de resolver a eliminatória. Dois parágrafos para justificar que aos dois minutos a Velha Senhora já tinha introduzido a bola na baliza, embora o golo tenha sido anulado, para relembrar o estado de caça permanente em que Ronaldo andou em redor da área madrilena, do pontapé de bicicleta de Bernardeschi ou da ocasião isolada do jovem e empolgante Kean.
Mas não. A perceção do tempo apenas importa para termos uma base para falar de Cristiano Ronaldo, um homem fora do seu tempo permanentemente à procura do momento.
A conquista da saída do seu tempo foi conseguida pelo próprio, através da disciplina de trabalho e motivação que cultivou desde cedo na carreira, do interromper o sono às três da manhã para tomar um banho de gelo ao facto de ser, segundo relatos transversais dos companheiros de equipa das equipas de onde passou, sempre o primeiro a chegar e o último a sair do centro de treinos. O ano passado, quando CR7 somava 33 anos a ciência tentou perceber a cronologia em que vivia o capitão da seleção portuguesa e apanhou-o 10 anos desfasado. No calendário Cristiano somava três décadas e três anos de existência, mas o seu corpo só tinha envelhecido, biologicamente, até aos 23 anos.
Ainda assim o avançado não discriminava o tempo. Prova é o feito de há cinco anos, quando no dia 11 de fevereiro de 2014, Ronaldo marcou (mais) um golo no minuto sete ao Atlético Madrid, uma das suas vítimas favoritas, e passou a ter o nome registado em todos os minutos dos 90 que contemplam uma partida de futebol.
Cristiano Ronaldo aprendeu a dominar definitivamente o tempo quando Zinedine Zidane chegou ao Real Madrid. É aqui que entra a segunda parte, a da procura do momento, a capacidade de ver o tempo de cima e de gerir o esforço. Para isto conta não só a gestão da participação em jogos como a gestão da participação no próprio jogo, sendo que a primeira é acima de tudo feita pelo técnico e a segunda pelo jogador. Com o antigo craque francês como treinador, o português passou a ter uma gestão física cuidada, preservando-se o que o avançado melhor podia dar para os momentos decisivos. O português respondeu com eficácia, mais de 100 golos e um papel fundamental na conquista das três Ligas dos Campeões consecutivas, conquistas que ficariam eternizadas em Turim num pontapé de bicicleta magnífico, ovacionado pelos adeptos adversários, o gesto que acabaria por convencer CR7 a mudar-se para Itália.
Na Juve a gestão decorre de outra maneira. O português participou em 36 jogos e raramente é poupado. No entanto, dentro do jogo o próprio tem-se poupado e gerido, guardando-se mais para o momento ofensivo. Esta gestão fica patente nos números de Cristiano na 'Champions'. Antes do jogo de ontem, ou seja, somando cinco jogos da fase de grupos e a primeira mão dos 'oitavos', Ronaldo somava apenas um golo e duas assistências em seis jogos. Números atípicos, para aquele que é muitas vezes apelidado de 'senhor Liga dos Campeões' pela imprensa desportiva, devidamente retificados no jogo de ontem.
Os números não mentem. Ronaldo aprendeu a guardar-se, a tornar-se letal nos momentos do tudo ou nada. Mais de metade dos golos de Cristiano (51%) na ‘Champions’ foram concretizados na fase a eliminar. Ainda na Liga dos Campeões, competição onde apanhou Lionel Messi como jogador com mais hat-tricks (oito), soma quatro na fase a eliminar. Para além de tudo isso, tornou-se no primeiro jogador da história a alcançar os 125 golos em competições da UEFA.
Agora, com uma certa distância, é quase arrepiante a naturalidade com que Cristiano Ronaldo, no final do jogo da primeira mão com o Atlético, disse que esperava uma reviravolta na eliminatória. Como se a duas semanas de distância pudesse antecipar uma exibição desta magnitude. Mas a SciSports, em parceria com a universidade belga KU Leuven, ajudam a explicá-lo: Cristiano é imune à pressão.
A expressão pode soar exagerada, mas este é o resultado de um estudo que analisa o desempenho de vários jogadores durante sete mil minutos. O jogador da Juventus mantém os níveis de performance em todos os cenários equacionados e por isso lidera a tabela.
Quando no final do jogo Cristiano Ronaldo diz "foi para isto que a Juventus me contratou, para ajudar e para fazer o meu trabalho. Estou feliz por uma noite mágica" percebe-se quem controla quem. Percebe-se que Ronaldo não estava em nenhum daqueles dois universos paralelos antes do apito inicial da partida, divididos pela linha do meio-campo. Estava no seu, uma galáxia à parte em que o tempo é feito de si para si, à sua medida.
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