Luzes (limitadas a minúsculos e pontuais raios que rasgam entre sombras), Câmara e Ação. Marta Paço, surfista portuguesa, tetracampeã mundial da Associação Internacional de Surf (ISA) na classe adaptada VI-1, para cegos, é a personagem principal do projeto "Um dia da vida da Marta Paço".
O filme inclusivo criado pelo Millennium bcp, com dois minutos e 30 segundos de duração, foi apresentado ontem na sala de cinemas NOS, no centro comercial Colombo, em Lisboa.
Uma experiência sonora e imersiva na qual o espectador é guiado, às escuras, por um mar de sons e sensações que o coloca na pele da surfista de 20 anos, natural de Viana do Castelo.
Ao sabor dos sons, de uma sonoridade tendencialmente percetível a olho nu, retrata um dia do dia a dia de Marta Paço. Saberemos, posteriormente, tratar-se de uma viagem de Lisboa até Viana do Castelo onde encontrará o seu treinador para cumprir mais um etapa de treino de mar.
Antes da conversa com a protagonista, puxemos atrás a fita da curta-metragem.
Sala escura. Ecrã escuro. Não há imagens a não ser espasmos de luzes a rasgar a escuridão.
Escuta-se o que nos parece ser um apito. Algo que assobia. Não sabemos ao certo o que é. Sentimos uma porta a abrir. Escutamos passos. Vozes. Um rosnar e o nome de um cão (Ginko) pronunciado por cima do “bom dia”. Pressentimos o barulho da cauda a bater num qualquer objeto.
Água que verte. Talvez seja. Parece ser esse o som. A nossa imaginação sensorial tende para aí, sem certezas absolutas. Percecionamos mais passos e uma porta que se abre ao comando de uma voz: “embora”.
Ruídos de rua. Mescla de sonoridades não totalmente decifráveis. Ao anúncio de “comboio”, seguimos à velocidade do som de uma carruagem.
Ouve-se uma voz. Não está identificada, nem há imagem, mas apresentamos: é de Tiago Prieto, treinador e os olhos de Marta Paço.
Anuncia as condições de vento e da concorrência na disputa das ondas (o vulgo crowd). Transmite indicações precisas para dentro de água. “Rema”, sussurra. O pedido do gesto é a expressão mais usada antes de Marta Paço apanhar a onda. Termina num elogio. “Boa, Marta”, ouve-se.
Escutamos, sentimos e pressentimos uma respiração ofegante.
Fim do ecrã escuro, a luz desce sobre a sala. Na tela, surgem imagens a cores cobertas por uma voz-off. Segue-se pouco mais de um minuto de narração.
“Acho que me lembro do dia, foi em novembro, estava bom tempo e sem vento”
Estava apresentada a versão mais longo do projeto "Um dia da vida da Marta Paço", um prefácio espalhado por 250 salas de Cinema NOS e cena passada em looping nas redes sociais da instituição financeira.
À margem da exibição do filme, Marta Paço, acompanhada pelo cão-guia Ginko, um Golden Retriever importado já batizado de França, de tons dourado, explicou ao SAPO24 o que tínhamos acabado de ouvir, ver e sentir.
“Saí de comboio, de Lisboa para Viana do Castelo. Apanhei uma boleia e fui para a praia do Cabedelo”, avançou.
“Acho que me lembro do dia, foi em novembro, estava bom tempo e sem vento”, recordou.
Entra nos detalhes e aprofunda a lição que podemos extrair a partir do que vimos e ouvimos do projeto. “O mais importante é que é guiado pelo som. Acaba por ser o sentido que uso mais no meu dia a dia”, informou. “O som é o meu sentido principal”, reforçou, audição essa que lhe permite “ter uma vida independente e autónoma”, assegurou.
Depois da estreia na grande tela, Marta Paço, campeã mundial de surf adaptado espera agora, enquanto atriz, que o projeto possa escalar. “Quem sabe, futuramente, não haverá a hipótese de fazer [algo] numa escala um pouco maior”, lançou o desafio.
Comentários