![Maya Gabeira: “Lutar contra as desigualdades, vencer o estigma, o machismo, foi mais difícil do que me machucar na onda”](/assets/img/blank.png)
Maya Gabeira tomou a decisão no passado mês de janeiro. A surfista de ondas grandes, nascida no Rio de Janeiro, Brasil, a 10 de abril de 1987 (37 anos) arrumou, de vez, a prancha, o colete e deixará de ser puxada pelo Jet Ski
A decisão de colocar um ponto final a nível profissional.deixa-a “tranquilíssima” e “resolvida”, confessou a big rider que será, por essa via, uma das grandes ausências do TUDOR Nazaré Big Wave Challenge, etapa única do circuito mundial de Ondas Grandes da Liga Mundial de Surf (World Surf League)
Maya não entra nas ondas grandes, mas as ondas grandes entram pela alma dentro da surfista que vive na “Nazaré há cerca de 12 anos”, disse.
“Provavelmente vou sair de casa, descer até ao Farol, se conseguir passar toda essa gente e vou ver o António (Laureano) e a menina, a Laura (Crane) que será sua parceira”, adiantou. Uma espreitadela ao amigo, surfista local de 22 anos, que no ano passado puxou Maya Gabeira até ao triunfo. O segundo, igualando a francesa Justine Dupont, da contabilidade na onda apresentada ao mundo por Garrett MacNamara, plantada em Times Square e que viajou através o documentário “100 foot wave”.
Regressa ao Eu. “Está na hora de descansar”, assumiu ao SAPO24 a atleta que esteve 20 anos a desafiar a vida ao enfrentar as toneladas de massa de água que, com estrondo, rebentavam nas suas costas.
A Nazaré e a Praia do Norte, está umbilicalmente ligada à vida desta brasileira que saiu do Rio de Janeiro aos 15 anos, viveu no Havai, passeou pelo mundo e comprou uma casa no sítio onde foram registados dois recordes mundiais de maior onda surfada.
Empurrada pelo Canhão da Nazaré, venceu duas etapas no Circuito Mundial. Tornou-se detentora do recorde mundial feminino da maior onda surfada (22,4 metros, em fevereiro de 2020), na Praia do Norte, marca reconhecida pelo Guinness, no mesmo local onde alemão Sebastian Steudtner desceu do pico da montanha de água de 26,21 metros. E, foi nesta força da natureza que ia perdendo a vida, em 2013.
“Enfrentei a morte mesmo, não me contaram”, recordou os tempos deste limbo vivido na primeira pessoa.
Maya Gabeira pega na comparação entre o ter a vida em jogo e a luta por um reconhecimento maior do desporto feminino, quando comparado com os louros atribuídos aos feitos no masculino e recorda a batalha desigual travada.
“Nas ondas, caímos, saímos machucadas, mas passa”, conta. “Agora, lutar contra as desigualdades, vencer o estigma, o machismo, foi mais difícil do que me machucar na onda. Causou mais dor. Doeu mais”, comparou.
Recorda que construiu "um caminho sem ter alguém para copiar”, mas está “na hora de mudar”. De parar com o sentido de ter cumprido uma missão. Tal como o rubicão separou oceanos para passagens bíblicas, Maya Gabeira desbravou águas e ventos e estendeu o tapete a novas mulheres. “Agora, já tem mais meninas a surfar, há mais igualdade e está na altura”, suspirou.
Medida “bastante”, já escreveu “três livros” e “talvez” seja o caminho da escrita os próximos passos a trilhar.
Reconhece que ainda não sabe o que o futuro lhe reserva, só sabe que vai “dar descanso ao corpo”, anunciou, um corpo que foi muitas vezes “machucado”.
“Está na altura de deixar este lugar e partir pelo mundo”, solta. “Sempre fui uma menina do mundo, vou por aí, não sei por onde, mas irei”, aponta. Partirá com “os dois cães”, refere. “Eles adaptam-se a qualquer lugar”, sorriu.
Para a despedida e partida para uma incerteza de rumo de vida, deixa uma certeza. “Vou manter a casa. Para passar por aqui quando me apetecer. Para voltar a este local que é uma força da natureza”, finalizou.
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