Ao longo de quatro horas, a partir das 14:30 locais (menos uma hora em Lisboa), os resultados anunciados em Maputo davam a vitória da Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo, partido no poder) nas presidenciais, legislativas e provinciais, ao mesmo tempo que a polícia começava a disparar gás lacrimogéneo para dispersar os manifestantes, convocados pelo candidato presidencial Venâncio Mondlane, que queimavam pneus e atiravam pedras na Avenida Joaquim Chissano.
Equipas cinotécnicas, blindados da Unidade de Intervenção Rápida e dezenas de agentes fortemente armados, com o apoio de um helicóptero, tentavam controlar os manifestantes, por entre um cheiro intenso de gás lacrimogéneo que invadia os bairros circundantes, tornando o ar irrespirável, e a circulação de viaturas dos bombeiros para extinguir os focos de incêndio.
“Os anúncios estão todos errados. Não vamos admitir”, afirmava um dos manifestantes, de lenço na face, junto às barricadas isoladas pela polícia.
“Não é possível 70%”, atirava outro, numa alusão aos resultados eleitorais, reclamando “justiça”.
Naquele que era o primeiro de dois dias de greve e manifestação convocada por Venâncio Mondlane, que já disse não reconhecer os resultados do apuramento eleitoral intermédio, genericamente confirmados hoje pelo anúncio do apuramento geral pela Comissão Nacional de Eleições (CNE), rapidamente vários focos surgiram pela capital, agravados pela escuridão que começava a cair na capital.
“O país está a queimar”, afirmava outro manifestante, na avenida Julius Nyerere, outra artéria principal parcialmente cortada com pneus e contentores do lixo espalhados, onde só era possível chegar entre gritos de “jornalistas”.
“O Venâncio já disse que amanhã vai ser a mesma coisa, nós estamos cansados. Estamos cansados”, afirmou ali um manifestante.
Na avenida Acordos de Lusaka, outra artéria principal da cidade de Maputo, o cenário era idêntico e à entrada a polícia já impedia o acesso, com o fumo e pneus em chamas de fundo, para receio de muitos que ali passavam a pé.
“A situação não está boa por aqui (…) Tive que voltar por ver a situação ali, há muita gente, ali para a [avenida] Joaquim Chissano não está bom”, disse, apreensiva, uma dessas pessoas.
“Vou tentar chegar a casa. Hei de chegar em casa, tenho fé nisso”, acrescentou.
Logo ao lado outro jovem que ali passava saltou o gradeamento de um parque de carros para se proteger, quando a polícia usou o gás lacrimogéneo para controlar os manifestantes na mesma avenida, cravejada de pedras, cerca das 17:00 locais.
“Estamos a sofrer. Entrou [o gás] no nariz, na boca, estamos muito mal”, explicou, do outro lado das grades, onde encontrava alguma proteção.
“Tinha pessoas a vender, todos fugiram”, relatou ainda.
Ao início da noite ainda era possível ouvir disparos em alguns bairros da cidade e a estrada Nacional 4 (N4), que liga Maputo a Ressano Garcia, fronteira com a África do Sul, estava igualmente cortada por pneus em chamas, perante um forte aparato policial no local.
Na Avenida Joaquim Chissano, no centro da capital onde ocorreu na sexta-feira à noite o homicídio de Elvino Dias, advogado de Venâncio Mondlane, e Paulo Guambe, mandatário do Podemos, partido que apoia este candidato, viam-se pedras no chão, arremessadas pelos manifestantes contra a polícia.
A CNE divulgou hoje os resultados do apuramento geral das eleições de 09 de outubro — presidenciais, legislativas e para as assembleias provinciais -, anunciando a vitória da Frelimo, com mais 11 deputados do que os que já tinha no parlamento, e do seu candidato presidencial, Daniel Chapo, com 70,67% dos votos, resultados que ainda precisam da validação do Conselho Constitucional.
Venâncio Mondlane, apoiado pelo Partido Optimista para o Desenvolvimento de Moçambique (Podemos, até aqui extraparlamentar), e que ficou em segundo lugar com 20,32% dos votos, tinha convocado para hoje e sexta-feira dois dias de greve geral e manifestações em todo o país em protesto contra a forma como decorreu o processo eleitoral.
Na segunda-feira já se tinham registado confrontos entre manifestantes e a polícia, que respondeu com tiros e gás lacrimogéneo, e que provocaram pelo menos 16 feridos, incluído jornalistas, de acordo com fonte hospitalar.
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