Qual é a notícia?

A Ucrânia celebrou hoje, um ano depois de ser invadida pela Rússia, a chegada de blindados Leopard, enquanto um “plano de paz” chinês tentava ganhar tração e o Conselho de Segurança debatia como fazer silêncio pelas vítimas da guerra.

Plano de paz?

Sim. Discutido diretamente com a Rússia – mas não com a Ucrânia – o “plano de paz” de Pequim ‘raiou’ praticamente à mesma hora que o sol em Kiev: ainda de madrugada em Lisboa, o Ministério dos Negócios Estrangeiros de Pequim propôs, entre outras medidas, o fim das sanções a Moscovo – seu “parceiro sem limites”, na designação adotada por ambos os países no último encontro entre os seus líderes antes da invasão da Ucrânia.

Mas rapidamente foi notado entre os aliados dos ucranianos que, apesar de o texto chinês fazer referência à necessidade de “respeitar a soberania de todos os países” e ao Direito Internacional, não existem referências ao que foi exigido pelo secretário-geral da ONU há um ano e ainda hoje é exigido ao invasor, Vladimir Putin – que a Rússia retire as suas tropas do território ucraniano que invadiu e que entretanto anexou formalmente.

Num primeiro momento, claramente o plano chinês não teve tração. Numa conferência de imprensa conjunta em Tallin, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, e o secretário-geral da NATO, Jens Stoltenberg, disseram que o plano de Pequim “não tem credibilidade”, pois as autoridades chinesas “tomaram partido” e assinaram uma “parceria ilimitada” com Moscovo.

No entanto, houve desenvolvimentos surpreendentes ao fim do dia.

O que aconteceu?

Apesar do lançamento atribulado, o “plano chinês” para a paz pareceu ganhar força ao longo do dia – incluindo (ou não obstante) ser aplaudido por Moscovo.

Numa conferência de imprensa em Kiev, o Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, não o descartou e disse mesmo esperar um encontro com o Presidente chinês, Xi Jinping.

Zelensky, no entanto, acrescentou que “a China respeita a integridade territorial” dos países e que, “por isso, deve fazer todo o possível para retirar a Rússia” do território ucraniano.

Mas não obstante esta aparente simpatia, a desconfiança mantém-se.

Porquê?

Na Alemanha, a revista Der Spiegel noticiou hoje que a fabricante chinesa Xian Bingo Intelligent Aviation Technology está a negociar a venda de até 100 'drones' (aeronaves não tripuladas) ao Kremlin, para apoiar o esforço de guerra em território ucraniano.

A venda de armamento à Rússia é uma “linha vermelha” para os aliados de Kiev, marcada em traços largos nos últimos dias.

Uma linha vermelha? Quem disse isso?

O ministro dos Negócios Estrangeiros português, João Gomes Cravinho. Em entrevista à Lusa hoje divulgada, disse que, se a China fornecer armamento à Rússia, Portugal e a União Europeia (UE) terão de rever as relações com Pequim.

"Não creio que a China irá avançar no sentido do apoio militar à Rússia. Alteraria radicalmente a forma como a China é vista no mundo, seria um erro grande e mudaria evidentemente também a forma como se relaciona com a Europa e Portugal naturalmente não deixaria de ser afetado por esse processo", afirmou.

Por falar em armamento, há alguma novidade do lado ucraniano?

Sim, a Alemanha anunciou hoje o envio para a Ucrânia de quatro tanques pesados Leopard 2 A6, o que eleva para 18 o número destes carros de combate para as autoridades de Kiev, em parceria com Suécia e Portugal.

"Desta forma, estamos em posição, juntamente com os nossos parceiros portugueses e suecos, de formar um batalhão ucraniano misto", afirmou o ministro da Defesa alemão, Boris Pistorius.

Enquanto a Polónia — cujo primeiro-ministro Mateusz Morawiecki esteve hoje em Kiev — assumiu o envio do Leopard 2 A4, a Alemanha coordena o fornecimento dos Leopard 2 A6.

O Ministério da Defesa alemão indicou que, juntamente com a Polónia, dois batalhões de Leopard 2 serão enviados para a Ucrânia.

"Com o anúncio da Suécia de hoje para enviar 10 tanques Leopard 2 A5 que são tecnicamente semelhantes aos A6, juntamente com Portugal, estamos prontos para entregar 31 tanques Leopard 2 à Ucrânia", afirmaram as autoridades alemãs.

Além disso, a UE garantiu também hoje que vai avançar para a aquisição conjunta de munições para fornecer a Kiev. Com estas promessas de ajuda militar e financeira  — não só europeia, como de Washington — , Zelensky elogiou a capacidade de resistência ucraniana perante a máquina de guerra russa e mostrou-se confiante na capacidade de expulsar os invasores.

E este é um ano da nossa invencibilidade, sabemos que este será o ano da nossa vitória", salientou Zelensky, numa mensagem de vídeo publicada na plataforma de mensagens Telegram. 

Mais tarde, numa conferência de imprensa com ‘media’ internacionais organizada por ocasião do primeiro aniversário da invasão russa, disse que a vitória é "inevitável" se o Ocidente cumprir as suas promessas de armamento.

Mas houve quem fosse ainda mais longe.

Quem?

O seu ministro da Defesa, Oleksi Reznikov, que disse mesmo que está a ser preparada uma contra ofensiva para recuperar território.

“Vamos atacar com mais força, a maiores distâncias, no ar, na terra, no mar e no ciberespaço. Haverá a nossa contra ofensiva. Estamos a trabalhar arduamente para a preparar”, disse Reznikov numa mensagem publicada hoje no Facebook.

Houve algo mais a reportar?

Sim. Eis um curto resumo por pontos:

E da parte de Portugal, o que houve a noticiar?

O aspeto talvez mais importante tenha sido o anúncio de Marcelo Rebelo de Sousa. Depois de, durante a manhã, ter manifestado numa nota o "apoio inquebrantável" de Portugal à Ucrânia, o Presidente da República confirmou ao fim do dia que pretende ir a Kiev no verão.

De resto, Marcelo disse-o enquanto outra representante de Portugal se encontrava na capital ucraniana.

Quem?

A ministra da Defesa portuguesa, Helena Carreiras, que frisou a importância de traçar objetivos realistas de apoio. “Mais do que traçar objetivos que não sejam realistas, importa cumprir os compromissos que assumimos. Somos um aliado credível e confiável, e é esse o nosso património, que queremos manter e reforçar”, disse, depois de uma reunião com Oleksiï Reznikov.

De resto, além do apoio militar português, o financeiro. Enquadrado em resposta europeia, já assegurou 270 milhões de euros este ano. Num comunicado hoje divulgado, a tutela lembrou que “Portugal comprometeu-se a disponibilizar à Ucrânia um montante de até 250 milhões de euros até 2025”, sendo que, no “âmbito deste compromisso, os apoios a dar até 2025 são dados por via bilateral, enquadrados em mecanismos europeus ou através de outras instituições multilaterais, como afirmado a 21 de maio de 2022”.

Nessa altura, disse o Governo, “não estava definido um quadro de apoio concertado a nível europeu para mitigar os impactos do conflito”.

“A partir do momento em que foi possível dar uma resposta coordenada ao nível da União Europeia, de forma mais eficaz para as necessidades da Ucrânia, canalizámos o nosso apoio por essa via, como está previsto no compromisso em Kiev”, adiantaram as Finanças.

A justificação para este valor surgiu depois do Jornal de Negócios noticiar que os 250 milhões de euros não chegariam à Ucrânia na totalidade.

Por fim, falta destacar a solidariedade prestada à Ucrânia na Assembleia da República.

O que aconteceu?

Além do cumprimento de um minuto de silêncio pelas vítimas da guerra na Ucrânia — sem a presença do PCP e do PAN — e dos discursos de Gomes Cravinho e do Presidente da Assembleia da República — o parlamento aprovou hoje um voto de "total solidariedade com a Ucrânia e o povo ucraniano", apresentado por Augusto Santos Silva, e chumbou outro, do PCP, em que se condenava o "caminho de ingerência, violência e confrontação".

O texto apresentado pelo presidente da Assembleia da República só contou com o voto contra do PCP. Todos os outros partidos e deputados únicos votaram a favor.

O voto do PCP foi 'chumbado' por todos os outros partidos, ficando os comunistas isolados mais uma vez.

O que diziam os textos?

No voto apresentado por Santos Silva, que foi lido pelo próprio no plenário, refere-se que, passado um ano sobre a guerra na Ucrânia, "a Assembleia da República reafirma a sua solidariedade com o povo e as autoridades ucranianas".

"Reitera a condenação da agressão perpetrada pela Federação Russa e insta-a à cessação de imediata das hostilidades e à retirada do território ucraniano, condições indispensáveis para conversações de paz", lê-se.

Neste voto, o parlamento lamenta ainda "profundamente os muitos milhares de vítimas da guerra - vítimas mortais, pessoas feridas ou refugiadas - e a destruição de cidades, infraestruturas e bens" e saúda a Ucrânia e o seu Presidente, Volodymyr Zelensky, "cuja ação heróica em defesa da liberdade e da soberania representa a defesa da paz e segurança na Europa e dos valores europeus".

"Assim, lembrando os profundos laços de amizade que unem o povo português e o povo ucraniano, a Assembleia da República, reunida em sessão plenária, proclama solenemente a total solidariedade com a Ucrânia e com o povo ucraniano na defesa da sua independência e integridade territorial e na defesa do direito sagrado a decidir livremente o seu destino, no quadro da Europa a que todos queremos pertencer, a Europa da democracia e da paz", sublinha o parlamento.

No que se refere ao voto do PCP, que foi chumbado, referia-se que, apesar de ser apresentada "como sendo entre a Rússia e a Ucrânia", a guerra é, "de facto, expressão de uma confrontação dos EUA, da NATO e da UE com a Rússia, no quadro da estratégia de domínio hegemónico dos EUA".

"É urgente parar a política de instigação do confronto, que só levará ao agravamento do conflito, à perda de mais vidas humanas, a maior sofrimento e destruição. É necessário valorizar os apelos, as iniciativas e as propostas de mediação com vista à sua urgente solução política", referia-se.

Neste contexto, o projeto do PCP defendia ainda que "Portugal, ao invés de contribuir para o agravamento do conflito, do militarismo, da guerra, deve promover a solução pacífica dos conflitos internacionais e o desarmamento em geral, simultâneo e controlado, entre outros princípios das relações internacionais consagrados na Constituição da República Portuguesa".

O projeto do PCP expressava assim a "sua solidariedade para com as vítimas de uma guerra que dura há nove anos e a que urge pôr fim" e condenava "todo um caminho de ingerência, violência e confrontação".

Nesse "caminho de ingerência", o PCP destacava designadamente "o golpe de Estado de 2014, promovido pelos EUA na Ucrânia, que instaurou um poder xenófobo e belicista, a recente intervenção militar da Rússia na Ucrânia e a intensificação da escalada belicista dos EUA, da NATO e da UE".

Os comunistas apelavam ainda a que os Estados Unidos, NATO e UE "cessem de instigar e alimentar a guerra na Ucrânia, e que se abram vias de negociação com os demais intervenientes", nomeadamente a Federação Russa".

 Houve reações ao voto do PCP?

Várias, mas a mais veemente terá mesmo vindo do ministro dos Negócios Estrangeiros, que o considerou “tão absurdo como caricato".

“Esta recusa em olhar de frente o que se passa ao longo deste ano é de facto lamentável. É tão absurdo como caricato que, nesta análise, o ataque de Putin afinal não é um ataque ao direito internacional, mas tão só uma conspiração capitalista para proteger lucros extraordinários, enfim”, lamentou Cravinho.

E acrescentou: “Poderíamos dizer ‘viva a diversidade da nossa vida política’ mas eu prefiro sublinhar que esta interpretação bizarra apenas demonstra como é profundamente minoritária a franja de população portuguesa que recusa a devida solidariedade à Ucrânia”, vincou.

Por fim, qual é o balanço da guerra, passado um ano?

A ofensiva militar lançada pela Rússia na Ucrânia causou até agora a fuga de mais de 14 milhões de pessoas — 6,5 milhões de deslocados internos e mais de oito milhões para países europeus -, de acordo com os mais recentes dados da ONU, que classifica esta crise de refugiados como a pior na Europa desde a Segunda Guerra Mundial (1939-1945).

Neste momento, pelo menos 17,7 milhões de ucranianos precisam de ajuda humanitária e 9,3 milhões necessitam de ajuda alimentar e alojamento.

A ONU apresentou como confirmados desde o início da guerra, há exatamente um ano, 8.006 civis mortos e 13.287 feridos, sublinhando que estes números estão muito aquém dos reais.