Tomás Magalhães é imparável e vive num mundo que parece só dele, mas que é de todos nós. Tem 31 anos e quase não é preciso fazer-lhe perguntas, tal o entusiasmo com que fala do Kolkata Monsoon Relief, um projecto que começou de forma inesperada: "Estava já de regresso a Portugal quando decidi parar mais uma vez em Calcutá. Uma das famílias de rua que conheci, Pooja, Mohidul e três filhos, veio pedir-me 100 a 150 rupias, menos de dois euros, para comprar um plástico para se proteger das chuvas torrenciais".
Na época das monções, que começa no final de Junho, início de Julho, morrem na Índia centenas de pessoas e aldeias inteiras ficam submersas devido às fortes chuvas. Tomás ficou impressionado com o pouco dinheiro necessário para ajudar a salvaguardar uma família. Foi ao mercado e em vez de um comprou plásticos suficientes para entregar a todas as famílias daquela rua.
Hoje as famílias que vivem na rua recebem muito mais do que isso. Os kits distribuídos actualmente contêm, além do plástico protector, uma rede mosquiteira (que serve para proteger do mosquito que transmite a Malária e outras doenças, e também para guardar os poucos objectos que quem vive na rua transporta consigo), um conjunto de primeiros socorros com algodão, anti-séptico, adesivo, ligaduras e pensos e um livro com noções básicas de inglês, bengali e matemática. Isto tudo por menos de cinco euros.
Altruísta, foi do seu bolso que tirou uma boa parte do dinheiro, fazendo depois circular um pedido de donativos, primeiro entre a família, depois entre os amigos mais próximos. Rapidamente recebeu 8800 euros, o suficiente para ajudar 2200 famílias. Percebeu o impacto da comunicação e acreditou que a causa merecia o esforço de todos os que se quisessem juntar a ela. Sem nunca esquecer a transparência.
"Sei que a confiança nas instituições é fundamental. As pessoas querem saber onde é gasto o dinheiro que estão a dar e por isso uma das primeiras coisas que fizemos foi publicar uma folha de Excel com todos os custos do kit discriminados, da compra de bens ao transporte, passando pela distribuição. Por outro lado, quem faz um donativo procura retorno emocional e é por esse motivo que publicamos fotografias e vídeos das pessoas que estão a ser ajudadas". Está tudo no Facebook, em Kolkata Monsoon Relief.
Triplicar o projecto e um concerto de sitar
O SAPO24 está em Lisboa, Tomás em Calcutá, quatro horas e meia à nossa frente. No dia em que falamos ao telefone já esteve a trabalhar e o almoço é sobre o tarde. Maravilhas da era das comunicações, envia-nos uma fotografia da sede, que agora, felizmente, já existe.
O Monsoon Relief é o sonho de Tomás, que fala sempre no plural: "Para o ano queremos triplicar o projecto". Desta vez tem consigo a namorada, Catarina Aires, Doogar, que lhes cedeu um apartamento, o centro de operações, e Naresh Daga, um homem de negócios que conheceu na viagem anterior e que também quis ajudar; com dinheiro e no contacto com os fornecedores ("muito mais fácil, porque fala a língua"). Agora é co-director do projecto e, "em princípio", diz Tomás Magalhães, "irá liderar o Bombay Monsoon Relief e ajudar-me a encontrar um director para o Delhi Monsoon Relief".
Mas há outras peças fundamentais, como Masum Mohammad, "um trabalhador muito importante", Amit Ranjhna, um voluntário local de 20 anos, ou Joy, "Aladdin", como é conhecido, o rapaz que começou o projecto com Tomás. "No início era só eu, ele e um rickshaw. Além de pedalar, Aladdin ajudava-me a encontrar as zonas dos sem-abrigo e eu pagava-lhe 500 rupias [pouco mais de seis euros]", conta.
O voluntariado não é uma coisa nova para Tomás. O ano de licença sabática passou-o a servir: em Barkot leccionou inglês e deu aulas de substituição numa escola rural; esteve um mês num orfanato onde fez um pouco de tudo, desde dar explicações de Matemática e Física a levar os rapazes a mergulhar; passou pela Missionárias da Caridade, congregação fundada por Santa Teresa de Calcutá, e deu aulas de surf na organização de um belga que se divide entre a Índia e a Ericeira. Agora está há três semanas em Calcutá e dentro de alguns dias parte para o Nepal.
Tomás Magalhães é um empreendedor, mas é, antes de mais, "uma pessoa com um coração gigante, supergeneroso, o que o leva a fazer coisas como esta que está a fazer na Índia", diz o seu melhor amigo, Pedro Borges. Ou outras, como procurar lugar no primeiro voo para Frankfurt, só para ter a certeza que um grande amigo está mesmo bem num momento mais crítico da sua vida.
Longe dos 14 anos que o levaram a invadir uma das torres do castelo de Alter do Chão – que só por milagre não pegou fogo com consequências desastrosas -, Tomás Magalhães escolheu uma nova frente de batalha: ajudar com o que está ao seu alcance a diminuir o sofrimento dos outros e a salvar vidas. O que pede é o que cada um quiser e puder dar e os elementos estão todos no link que aqui publicamos. Com uma novidade: se um donativo de uma pessoa ou de um grupo de amigos atingir os 500 euros, Tomás compromete-se a realizar um concentro de sitar, um instrumento musical da Índia que pertence à família do alaúde, em qualquer ponto de Portugal Continental à escolha do mecenas.
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