À saída de uma conferência na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, questionado pela comunicação social sobre o estado das suas relações com o Governo, Marcelo Rebelo de Sousa afirmou que "é evidente que Presidente, Governo e todos os portugueses querem duas coisas" no que respeita a este caso.
"Primeiro, que se apure integralmente a verdade. Segundo, que a instrução criminal seja incisiva, vá até ao fim e, tanto quanto possível, seja rápida", acrescentou o chefe de Estado e Comandante Supremo das Forças Armadas, sublinhando que "portanto, nisso, não há divergência nenhuma".
Interrogado, em seguida, sobre se existe alguma divergência com o Governo, o Presidente da República respondeu: "Não".
Ao ser questionado sobre o estado das suas relações com o Governo, Marcelo Rebelo de Sousa começou por inquirir: "Mas porquê, há alguma novidade?".
"Ah, refere-se ainda ao caso de Tancos? Sobre isso eu não quero estar a falar todos os dias", declarou, antes de responder à questão.
Também hoje, o primeiro-ministro, António Costa, disse que Governo e chefe de Estado estão "em total convergência desde o primeiro dia" sobre este caso e rejeitou que tenha tido "qualquer manifestação de divergência com o Presidente da República" quando lhe atribuiu ansiedade em relação à conclusão do processo de Tancos.
Na sexta-feira, o programa da RTP "Sexta às 9" noticiou que, de acordo "várias fontes", houve "contactos" entre o ex-diretor-geral da Polícia Judiciária Miliar (PJM), Luís Vieira, e o ex-chefe da Casa Militar do Presidente da República, João Cordeiro, "antes e depois da recuperação das armas" levadas de Tancos.
Segundo a RTP, o então chefe da Casa Militar do Presidente "recebeu envelopes da PJM antes e depois do encobrimento".
Na sequência deste programa, no sábado, Marcelo Rebelo de Sousa afirmou ao Público: "Se pensam que me calam, não me calam".
"Estranho que quem me queira atribuir o que quer que seja o tenha feito sem me ouvir previamente. É o mínimo para qualquer cidadão", considerou o chefe de Estado, assegurando: "Nunca falei com o diretor da Polícia Judiciária Militar".
No domingo, no seu programa de comentário televisivo no Jornal da Noite da SIC, o conselheiro de Estado Luís Marques Mendes alegou que a afirmação de Marcelo Rebelo de Sousa de que não o calarão foi "um recado ao Governo".
"E é um recado ao Governo porquê? No fundo, no fundo, é o Presidente a dizer que não achou graça à tentativa de o envolver e, em segundo lugar, a acrescentar, que o Governo deve ter ajudado à festa e ter ajudado a esta tentativa de o envolver", sustentou o advogado e antigo presidente do PSD.
Na segunda-feira, Marcelo Rebelo de Sousa fez divulgar uma nota no portal da Presidência da República na Internet, em reação ao conteúdo do programa "Sexta às 9", assegurando que ninguém da sua Casa Civil ou da Casa Militar lhe "falou ou escreveu" sobre a operação de recuperação das armas de Tancos "antes dela ter ocorrido".
"Nem tão pouco falou ou escreveu sobre a operação, depois de vinda a público, nomeadamente como sendo ou podendo vir a ser ilegal ou criminosa, incluindo quaisquer memorandos ou referências a reuniões com eles relacionados", declarou o Presidente da República.
O chefe de Estado adiantou que "nunca recebeu o diretor da Polícia Judiciária Militar ou qualquer elemento dessa instituição".
Sobre a presença do coronel Luís Vieira na visita que fez a Tancos a 4 de julho de 2017, poucos dias de ser conhecido o desaparecimento do material militar, é referido na nota que "o Presidente percorreu, com as entidades presentes, circunstanciadamente, a área em causa e teve uma reunião com todos os responsáveis", mas "não teve qualquer reunião bilateral com nenhum deles".
"Não existe registo de qualquer estafeta da Presidência da República a entregar ou receber documentação da ou na Polícia Judiciária Militar", indicou ainda o chefe de Estado.
O desaparecimento de material militar dos paióis de Tancos foi divulgado pelo Exército em junho de 2017.
Está em curso uma investigação do Ministério Público sobre o reaparecimento do material levado de Tancos, designada Operação Húbris, no âmbito da qual foram detidos para interrogatório militares da PJM e da GNR.
Este caso levou à demissão do anterior ministro da Defesa Nacional, José Azeredo Lopes, em 12 de outubro.
O chefe do Estado-Maior do Exército, general Rovisco Duarte, pediu também a resignação, dois dias depois da posse do novo ministro da Defesa Nacional, João Gomes Cravinho.
Em 25 de setembro, a Polícia Judiciária deteve o diretor e outros três responsáveis da PJM, um civil e três elementos do Núcleo de Investigação Criminal da GNR de Loulé e foi nesse dia que o CDS-PP anunciou que iria propor uma comissão de inquérito parlamentar.
Segundo o Ministério Público, em causa estão "factos suscetíveis de integrarem crimes de associação criminosa, denegação de justiça, prevaricação, falsificação de documentos, tráfico de influência, favorecimento pessoal praticado por funcionário, abuso de poder, recetação, detenção de arma proibida e tráfico de armas".
Entre o material furtado estavam granadas, incluindo antitanque, explosivos de plástico e uma grande quantidade de munições.
[Notícia atualizada às 20h15]
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