Segundo a decisão, assinada pela juíza conselheira Ana Maria Barata de Brito, o STJ indeferiu “o pedido de 'habeas corpus' por falta de fundamento”, depois de uma sessão pública realizada esta manhã, na qual a defesa sublinhou a ilegalidade da prisão domiciliária e o Ministério Público, representado pelo procurador José Góis, pediu a sua rejeição, ao lembrar que “não se destina a sindicar erros de direito ou a fiscalizar o mérito da decisão”.
Relativamente à petição submetida pelo advogado Ricardo Sá Fernandes, que defendeu a cessação da obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica (OPHVE) com base na “ilegalidade do decretamento da medida de OPHVE como alternativa à caução” e num “erro grosseiro na apreciação do requisito do receio do perigo de fuga em que se funda a medida de coação”, o STJ lembrou que “o habeas corpus nunca foi nem é um recurso”.
“A providência apresentada, materialmente, traduz uma forma de impugnação e visa uma pretensão própria do recurso ordinário”, lê-se no documento, que acrescenta: “A argumentação desenvolvida, de discordância das decisões judiciais que determinaram no caso a aplicação da medida de OPHVE, é um modo de argumentação que encontra no recurso o seu lugar próprio de apreciação. Daí não ser de estranhar que os dois fundamentos da providência, trazidos aqui, tenham sido já apresentados no recurso interposto pelo arguido”.
A relatora notou que “apreciar de novo esses mesmos fundamentos” iria traduzir-se numa admissão de recurso para o STJ de um acórdão irrecorrível do Tribunal da Relação de Lisboa, que, em 19 de abril, já revogou a parte do despacho do juiz do Tribunal Central de Instrução Criminal “em que substitui a OPHVE pela prestação de caução, devendo ser proferido novo despacho a determinar se o arguido Manuel Pinho fica sujeito a OPHVE ou a caução”.
“Isso, sim, configuraria ilegalidade e inconstitucionalidade. Ilegalidade, por violação das normas que regem em matéria de recursos, e inconstitucionalidade, por violação do caso julgado formado por uma decisão que já não é passível de recurso ordinário”, reiterou a relatora, numa decisão igualmente assinada pelos juízes conselheiros Pedro Branquinho Dias e Nuno Gonçalves.
Sublinhando a “natureza excecional” do “habeas corpus” como instrumento para garantir a libertação de um arguido de uma medida de coação privativa de liberdade, a decisão dos juízes sustentou que “não pode ser utilizado para invocar deficiências processuais ou ilegalidades que tenham no recurso a sua sede própria de apreciação”, resumindo: “E é o que o requerente procurou aqui”.
“Esgotam-se os poderes de cognição do Supremo no âmbito da presente providência. Ir além deste exame, designadamente procedendo a uma análise e a uma crítica mais minuciosas quer do despacho do juiz de instrução, quer do acórdão da Relação que decidiu o recurso dele interposto, extravasaria claramente os poderes de cognição do Supremo em matéria de ‘habeas corpus’”, conclui a decisão do STJ.
Manuel Pinho foi constituído arguido no âmbito do caso EDP no verão de 2017, por suspeitas de corrupção e branqueamento de capitais, num processo relacionado com dinheiros provenientes do Grupo Espírito Santo. No processo EDP/CMEC, o MP imputa aos antigos administradores António Mexia e Manso Neto, em coautoria, quatro crimes de corrupção ativa e um crime de participação económica em negócio.
O caso está relacionado com os Custos de Manutenção do Equilíbrio Contratual (CMEC) no qual Mexia e Manso Neto são suspeitos de corrupção e participação económica em negócio para a manutenção do contrato das rendas excessivas, no qual, segundo o MP, terão corrompido o ex-ministro da Economia Manuel Pinho e o ex-secretário de Estado da Energia Artur Trindade.
Hoje, numa sessão pública no salão nobre do STJ, em Lisboa, o advogado do antigo governante, Ricardo Sá Fernandes, reiterou a ilegalidade da medida de coação de obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica (OPHVE) como alternativa a caução e a existência de um “erro grosseiro” na apreciação do perigo de fuga.
“Havendo erro grosseiro, há lugar a 'habeas corpus'. Existe uma situação de abuso de poder e por isso está preenchido o requisito de erro grosseiro. Manuel Pinho está em prisão domiciliária e a Relação reconheceu que a prisão é ilegal, não há dúvida nenhuma. Não estamos a discutir se é culpado ou inocente, isso será visto no momento próprio. O que está em causa é que está a ser privado da sua liberdade de forma ilegal”, disse o advogado.
Invocando exemplos de jurisprudência do STJ sobre este tema, o mandatário do antigo ministro da Economia considerou que os juízes têm de apreciar a petição, por considerar haver “um atentado à liberdade de Manuel Pinho” e lembrou que não surgiu nada de novo nos factos do processo para que fosse aplicada em dezembro uma medida de coação de privação de liberdade ao ex-governante, criticando ainda o juiz Carlos Alexandre.
“A Relação pensou bem, como não podia deixar de pensar, mas não refletiu as consequências. O Dr. Carlos Alexandre já decidiu que aplica a medida de coação de prisão domiciliária se não se pagar a caução. Isto é ilegal, inconstitucional e quase absurdo como é que isto pode ter passado na mente do Dr. Carlos Alexandre”, sublinhou.
O procurador-geral adjunto do Ministério Público José Góis defendeu a rejeição da petição, criticando o uso do 'habeas corpus' como um novo recurso, após a defesa de Manuel Pinho já ter recorrido anteriormente para o Tribunal da Relação de Lisboa.
Em 19 de abril, a Relação revogou a parte do despacho do juiz Carlos Alexandre, do Tribunal Central de Instrução Criminal, “em que substitui a OPHVE pela prestação de caução, devendo ser proferido novo despacho a determinar se o arguido fica sujeito a OPHVE ou a caução”.
“Não me vou pronunciar sobre os fundamentos do ‘habeas corpus’ por me parecer profundamente irrelevante. O STJ vem frisando em sucessivos acórdãos que o ‘habeas corpus’ não é um recurso e que não se destina a sindicar erros de direito ou a fiscalizar o mérito da decisão. O arguido vem tentar que o STJ seja a terceira instância, sem sequer dar tempo ao juiz de instrução. Pronunciar-me-ei pelo indeferimento deste ‘habeas corpus’”, afirmou José Góis.
A petição foi distribuída na segunda-feira à juíza conselheira Ana Maria Barata de Brito e fazia assentar o pedido de cessação da obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica (OPHVE) em dois motivos distintos: “Ilegalidade do decretamento da medida de OPHVE como alternativa à caução” e “erro grosseiro na apreciação do requisito do receio do perigo de fuga em que se funda a medida de coação”.
O processo tem ainda como arguidos o administrador da REN e antigo consultor de Manuel Pinho João Conceição, Artur Trindade, ex-secretário de Estado da Energia de um Governo PSD, Pedro Furtado, responsável de regulação na empresa gestora das redes energéticas, e o antigo presidente do BES, Ricardo Salgado.
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