A tetralogia “As Constituições Portuguesas” é uma iniciativa da Associação Setúbal Voz, programada para 2023 e 2024 e inserida no objetivo de produzir e democratizar o acesso a espetáculos de ópera, como explicou à Lusa o diretor musical e maestro Jorge Salgueiro.
As quatro óperas originais foram criadas por quatro compositores, libretistas e encenadores portugueses contemporâneos.
Depois de terem já sido estreadas “1822 - Mautempo em Portugal”, de Eurico Carrapatoso e Miguel Jesus, e “1911 – A conspiração da igualdade”, de António Victorino d’Almeida e Francisco Teixeira, é agora apresentada “1976 – A evolução dos cravos”, de Vítor Rua, com libreto de Risoleta Pinto Pedro.
Jorge Salgueiro, que assina a direção musical de todo o projeto, explica que esta terceira ópera é “uma abordagem mais contemporânea” sobre a Constituição Portuguesa, aprovada dois anos depois da revolução de 25 de Abril de 1974 e que ainda prevalece, 50 anos depois.
Num espetáculo mais psicadélico, rock e experimental, terrenos férteis do trabalho de Vítor Rua, “A evolução dos cravos” “vai mais ao encontro de uma análise dos comportamentos humanos e da volatilidade, de se mudar consoante as circunstâncias”, disse Jorge Salgueiro.
“Há um jovem que passa informações à PIDE sobre uma jovem, mas acaba por se render ao 25 de Abril e por se apaixonar por ela, e a negociar em cravos e a vender revoluções para estrangeiros”, descreveu.
A ópera faz-se com as personagens Eulália e Vicente, mas também com o Latifundiário, a Mulher dos Cravos, Salazar, o Oráculo, o Estudante, o Filósofo e a República. O espetáculo conta ainda com o Coro Setúbal Voz e da Academia de Dança Contemporânea de Setúbal.
“1976 – A Evolução dos Cravos” estreia-se na sexta-feira no Fórum Municipal Luísa Todi, em Setúbal, onde ficará até domingo, sendo depois apresentada a 19 de abril no Montijo e a 18 de maio em Guimarães.
A quarta e última ópera deste projeto tem estreia marcada para o final do ano e ficciona uma Constituição de um futuro aparentemente distópico, com a ascensão da extrema-direita: “2030 – A Nova Ordem” terá música e libreto de Jorge Salgueiro.
Segundo o compositor, “é uma ópera que chama a atenção para a importância de não [se ceder] à perda da liberdade” e que lembra que é preciso respeitar os que já morreram a lutar por ela.
“Falo dos escravos que morreram, das mulheres que lutaram pelos seus direitos, dos trabalhadores que lutaram contra a escravatura, dos presos políticos nos mais diversos regimes totalitários, de esquerda ou de direita, que foram vítimas desses regimes totalitários e que nos permitiram hoje em dia viver em democracias ocidentais que, apesar de não serem perfeitas, são o sistema melhor”, continuou.
A Associação Setúbal Voz é um projeto artístico fundado em 2016 e focado no canto lírico, tanto na interpretação de repertório tradicional como em novas criações.
A associação conta com apoio financeiro da Direção-Geral das Artes e trabalha em várias valências, tendo um coro, um ateliê de formação de cantores e a Companhia de Ópera de Setúbal, tudo isto numa cidade que é “terra natal da maior cantora lírica portuguesa de todos os tempos, Luísa Todi” (1753-1833), lê-se na página oficial.
“Um projeto como este, da Associação Setúbal Voz, permite o acesso a formas de arte que há uns anos estavam restritas à capital. Nós temos tentado fazer chegar esta forma de arte, que é a ópera, não apenas às salas principais, Setúbal, Lisboa, Guimarães, Coimbra, mas também dentro de Setúbal aos bairros mais complicados, menos visitados, menos frequentados, com piores condições de vida”, disse Jorge Salgueiro.
De acordo com o diretor artístico, a Associação Setúbal Voz já conseguiu fazer chegar a ópera a públicos que, por exemplo, nunca tinham estado no fórum municipal, e aproximou o canto lírico da comunidade cigana em Setúbal.
“Existem ainda alguns preconceitos em relação à ópera que depois se desfazem quando as pessoas têm acesso aos espetáculos”, congratulou-se.
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