Antes de José Grilo sair da sua casa na Gafanha da Encarnação, em Aveiro, em direção a Fátima, embebe as meias com "bagaço ou aguardente" e, durante o caminho, nunca tira as e as sapatilhas.
"Se o pé vem bem, nunca mudo o sapato ou tiro a meia", disse à agência Lusa o peregrino, que ao longo do caminho vai pondo mais bagaço ou aguardente para dentro das sapatilhas.
A receita para o caminho já lhe valeu alguns episódios caricatos. Este ano, num café na Caranguejeira, em Leiria, entrou, pediu dois bagaços "à senhora do balcão", que o questionou por estar sozinho e pedir duas bebidas, ao que respondeu: "Ó minha senhora não olhe para mim assim que eu sei o que é que está a pensar. Os bagaços é um para cada pé".
José Grilo chegou a Fátima na quarta-feira e, apesar da idade, pretende continuar enquanto o corpo não o proíbe.
Se durante o dia faz o percurso pela estrada nacional, à noite gosta de cortar por atalhos, pelo meio da mata, entre Guia (Pombal) e Barracão (Leiria).
As raposas e outros animais que encontra pelo caminho ou o simples facto de andar pela noite sozinho não o assusta.
Segundo José Gil, no caminho não há medo e não há sono, num percurso onde para além do bagaço nos pés, come "muita banana" e, por vezes, toma um ou outro comprimido, quando "as dobradiças" (joelhos) começam a doer.
"Felizmente, até agora, não tive nenhum percalço", diz.
A caminhada até Fátima surgiu depois de ter estado em coma quando vivia na Alemanha e a sua mãe veio ao santuário.
O filho seguiu a mãe, que lhe pediu para nunca desistir enquanto tivesse capacidade para fazer a caminhada.
"É uma promessa minha e uma promessa da minha mãe. Vou continuar enquanto puder e tenho esperança de vir cá mais alguns anos", conta José Grilo, que este ano junta o centenário das "aparições" ao centenário que a sua mãe comemoraria se estivesse viva.
Encostado próximo ao tocheiro, onde ardem velas dos peregrinos, José Grilo sublinha que a caminhada é feita por causa da sua mãe, mas a oração que faz e aquilo que pede é apenas seu.
"Nem à minha esposa digo o que peço. Está dentro de mim e é entre mim e o ser que me chama aqui - para mim existe aqui qualquer coisa", realça o peregrino, que mesmo depois de mais de 20 anos a fazer o mesmo percurso ainda não consegue suster as lágrimas ao avistar a rotunda dos peregrinos.
"Aqui, sinto-me à vontade, sinto-me leve", afirma.
O Santuário de Fátima recebe na sexta-feira o papa Francisco, que presidirá às celebrações do centenário das "aparições" e à cerimónia de canonização de Jacinta e Francisco Marto, duas das crianças que afirmaram ter tido visto Nossa Senhora na Cova da Iria, em 1917.
Comentários