A ilusão do tempo é uma coisa tramada para os nossos sentidos e pensamentos a desconfinar. Explico: uma alma solitária, pouco incomodada com o isolamento e em que a rotina pouco se alterou, poderá dizer que nem deu conta do tempo passar. Para ela, a pandemia não veio mexer com muita coisa. A vida continua, com algumas mudanças, mas veio refletir-se meramente em mais uma lavagem de mãos ou nuns serões solitários ao fim de semana. "Eu já frequentava pouco bares e discotecas. Além disso, os bilhetes são caros e o sofá em casa é mais confortável e seguro do que uma sala de cinema", diria.
Por seu turno, alguém com sentido social mais apurado e com saudades de reunir com amigos e família, dirá que já se passou bem mais do que meio ano. "Só se passaram seis meses? Os últimos meses pareceram-me uma eternidade!". A alma deste concidadão espera ansiosamente pelo dia em que voltará a ir a um concerto ou outra festividade sem se lembrar de colocar a máscara ou de contar as pessoas à sua volta. Um sentimento completamente oposto, portanto.
No que a mim concerne, direi que figuro entre os dois, dependendo dos dias. Uns estou num lado, noutros sinto que virei no sentido oposto. É difícil. É a tal ilusão do tempo de que falava no início. Baralha e confunde as ideias. Há dias em que a confiança impera, outros em que acontece exatamente o contrário. A única coisa ao certo é que sinto que não há semanas iguais. Muita rotina, mas raramente provida de verosimilhança.
Ainda assim, seja de que lado da barricada estiver o leitor, a realidade é que desde 2 de março, altura em que foram confirmados oficialmente os primeiros dois casos de infeção, que se alterou de forma radical o quotidiano dos portugueses. Pelo meio existiram inúmeras conversas sobre o "pico" da pandemia, o encerramento (e abertura) de fronteiras, o distanciamento físico, a abertura de praias, "bazucas" e até a retoma do futebol. Basta dar uma leitura neste artigo para recordar o que mudou e viveu Portugal nos últimos seis meses. Mas será que nos conseguimos lembrar do início de tudo?
A confirmação foi comunicada à nação pela ministra da Saúde, Marta Temido, que revelou aquilo que já se especulava nos jornais: a existência dos primeiros casos positivos de covid-19 no país. Tratou-se de dois homens, um com 33 anos, outro com 60, ambos internados no Porto (um no Hospital de Santo António, outro no Centro Hospitalar de São João). Seis meses depois, Portugal contabiliza 58.633 casos confirmados de covid-19 e regista 1.827 óbitos — e estamos na dúvida relativamente à maneira de atuar das escolas em caso de infeção de um aluno, professor ou funcionário.
E já que se debruça sobre o ensino, recorde-se que foi em 12 de março, com o número de contágios ainda em 78, que o primeiro-ministro, António Costa, anunciou a suspensão das aulas presenciais em todas as escolas, a redução da lotação dos restaurantes, o encerramento de discotecas, entre outras decisões que abririam o caminho ao "Grande Confinamento" — que viria acontecer a 18 de março, após ter sido decretado o estado de emergência. Este, de resto, foi renovado por duas vezes: em 2 de abril por alturas da Páscoa, sendo que a segunda estendeu-se até 2 de maio.
Existiram discussões sobre a possibilidade de cordões sanitários nalgumas situações em que os surtos pareciam ficar descontrolados, mas o primeiro e o que ficou na memória foi o de Ovar. Aliás, cordão sanitário foi outro palavrão que nos entrou pelo quotidiano, a par de boletim epidemiológico, report, assintomáticos, coronavírus, covid-19, situação de calamidade, emergência, etc. Contudo, além das adições de novas rotinas, também houve um regresso: a da velhinha telescola — onde até houve direito a uma aulinha com o professor Marcelo.
Em suma, tudo isto para se assinalar que já se passou meio ano desde que o todo jargão covid-19 tomou conta de quase todas as áreas da nossa vida. E de que há seis meses que não há abraços nem beijos. Mas há muita lavagem de mãos, muitas máscaras (demasiadas debaixo do nariz ou no queixo, mas isso são pormenores) e muitas questões. Porque já sabemos algumas coisas, mas continuamos na ignorância em muitas outras.
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