Qual é a notícia?
O Jornal Económico e a CNN Portugal noticiaram na noite de quinta-feira que o contrato assinado entre a TAP e a sua CEO, a gestora francesa Christine Ourmières-Widener, tem previsto um bónus de até três milhões de euros num prazo de cinco anos.
No entanto, de acordo com estas notícias, para ser válido o bónus teria de ser aprovado em assembleia-geral da TAP, o que não terá acontecido, porque a sua contratação foi aprovada com conhecimento do salário que Ourmières-Widener viria a receber, mas o prémio de três milhões não. Por outras palavras, discute-se se este bónus será legal.
Além disso, há outra questão, esta com contornos políticos.
Qual?
Como a CNN sublinha, o contrato foi do conhecimento do Estado acionista, representado pelos ministérios das Infraestruturas e das Finanças. Isso significa que ambos, ao contrário do que aconteceu com a indemnização paga a Alexandra Reis, tinham conhecimento deste acordo.
Se para Pedro Nuno Santos, que abandonou a pasta das Infraestruturas quando apresentou a sua demissão, este é mais um problema, mas que não fará mossa no Governo, o mesmo não se aplica a Fernando Medina.
O ministro das Finanças defendeu que não estava em funções no Governo nem o seu ministério tinha tido conhecimento da indemnização a Alexandra Reis, aliviando a pressão à qual tem sido sujeito. Aqui, porém, será mais difícil desviar-se das acusações.
Houve reações?
Sim, dos partidos da oposição, que foram reagindo em declarações sucessivas no parlamento:
- Da parte do PSD, o vice-presidente da bancada social-democrata, Paulo Rios Oliveira, lamentou que sobre a TAP se sucedam as notícias de “trapalhadas e embustes” e questionou “onde estava o dono” da companhia aérea, referindo-se ao Estado e pedindo “consequências políticas”. “Quem é responsável por este novo dado? Como é possível o ministro das Finanças e das Infraestruturas terem permitido que acontecesse?”, afirmou o deputado do PSD, que voltou a questionar as condições políticas de Fernando Medina para se manter no cargo.
- Já o Chega, pela voz do seu presidente André Ventura, anunciou que o partido já requereu formalmente ao Governo que esclareça se tinha informação sobre este bónus e quem o autorizou, apontando igualmente ao ministro das Finanças. “Se houver uma ilegalidade de fundo ou uma invalidade, temos de concluir que esta indemnização não tem de ser paga, mas é fundamental perceber, ao longo do dia de hoje, se as Finanças autorizaram ou não este contrato”, frisou, avisando que, na futura comissão de inquérito sobre o tema, o Chega “não vai permitir que a TAP mantenha quaisquer níveis de secretismo”.
- Falando pela Iniciativa Liberal, o deputado Bernardo Blanco disse que os dados disponíveis apontam para que este bónus seja “claramente ilegal” e questionou a responsabilidade política da tutela. “Não sei se o ex-ministro [Pedro Nuno Santos] sabia ou não, há poucos meses tivemos uma discussão em plenário e o senhor ministro não me respondeu. Politicamente, quando foi questionado sobre isto, não respondeu”, frisou.
- À esquerda, Mariana Mortágua, deputada do BE, apontou um problema “de substância” e outro “de forma” a este bónus. “De substância, porque qualquer trabalhador da TAP que faça o seu trabalho bem feito recebe o salário com um corte de 20%. A CEO, que recebe um salário anual de 500 mil euros, ainda tem direito a um bónus de três milhões de euros”, disse, considerando inaceitável esta desigualdade “na sociedade e numa empresa pública”. Por outro lado, lamentou que estes “prémios milionários”, bem como os contratos e salários dos gestores se mantenham secretos, dizendo que o BE irá pedir “o conjunto de todos os contratos dos administradores, todas as condições salariais, todos os prémios atribuídos”.
- Por seu lado, o PCP, através do deputado Bruno Dias, fez saber que as notícias recentes vêm “confirmar que a gestão da TAP está cada vez mais contaminada pelo pior da gestão privada”, defendendo que tem de haver uma opção política de “colocar ordem, escrutínio e transparência na gestão para defender a TAP e o interesse nacional”.
- Por fim, a porta-voz do PAN e deputada única Inês Sousa Real classificou de ultrajante os “prémios milionários” que vêm sendo conhecidos na administração da TAP e reiterou a necessidade de se aplicar a esta empresa o estatuto do gestor público. E se o bónus for considerado ilegal “de forma alguma” deve ser pago, afirmou igualmente.
E o Governo?
Não cedeu à pressão dos partidos. Ao fim da tarde, o atual ministro das Infraestruturas, João Galamba, apelou à honra do Governo para cumprir o acordo, mas com uma condição.
“O Estado é pessoa de bem”, disse, garantindo que vai cumprir o que foi acordado relativamente ao bónus da presidente da TAP — mas apenas se o processo de reestruturação da companhia for bem sucedido.
“Como é sabido, em 2021, houve um processo de recrutamento internacional e foi acordado um conjunto de condições que depois têm que ser ratificadas pela Assembleia Geral, que delegou na Comissão de Vencimentos. A Comissão de Vencimentos deliberou fixar – cumprindo o acordado –, as remunerações brutas. Não fixou, naquele momento, o bónus, por uma razão muito simples, porque o bónus está inteiramente ligado ao sucesso de reestruturação da TAP”, afirmou aos jornalistas.
“De qualquer modo, o bónus a ser pago, será pago apenas no final 2025-2026, no final do processo de reestruturação e apenas se este for bem sucedido”, frisou. Já em relação à maquia acordada, imiscuiu-se de fazer juízos de valor. “Não me cabe a mim pronunciar se o bónus é exagerado ou não exagerado. Foi o acordado”, atirou.
E agora?
Agora aquela que se previa ser uma comissão de inquérito à "tutela política da gestão" da TAP animada vai ter ainda mais material de conversa.
Comissão de inquérito? Mas isso não precisava de aprovação?
Sim, foi hoje aprovada — e sem votos contra. A proposta, apresentada pelo BE, mereceu a abstenção do PS e PCP e os votos a favor dos restantes partidos.
Segundo o texto, o objeto desta comissão será “avaliar o exercício da tutela política da gestão da TAP, SGPS, S.A. e da TAP, S.A., em particular no período entre 2020 e 2022, sob controlo público”.
Ou seja, vai servir para, entre outras coisas, averiguar a entrada e saída da antiga governante Alexandra Reis e as responsabilidades da tutela nas decisões tomadas — o que incluirá, certamente, o bónus acordado com Christine Ourmières-Widener.
Aliás, mesmo sem se saber, tal já estava implícito. Do objeto do inquérito parlamentar defendido pelo BE faz ainda parte o processo de desvinculação de membros dos órgãos sociais da TAP e “a prática quanto a pagamentos indemnizatórios”, bem como “as remunerações pagas aos membros dos órgãos sociais”, nas suas várias componentes.
Não havia outras propostas em cima da mesa?
Havia duas, ambas chumbadas:
- A proposta do Chega era de um inquérito parlamentar à “gestão da TAP e à utilização dos fundos públicos que lhe foram atribuídos, nomeadamente o pagamento de bónus e indemnizações aos titulares de cargos de gestão e administração da empresa” e foi chumbada com os votos contra do PS e PCP, a abstenção do BE e Livre e os votos a favor dos restantes.
- A proposta do PCP era de alargar o âmbito desta comissão de inquérito, sendo chumbada com os votos contra do PS, Chega e BE e a favor das restantes bancadas, sem abstenções.
*com Lusa
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