![Rutura de medicamentos. Ozempic, Tamoxifeno, Tamiflu e Kreon entre os 14 fármacos com mais falhas](/assets/img/blank.png)
De um total de 10.025 medicamentos comercializados (12.436 apresentações) em Portugal, 20% falhou em farmácias ou hospitais em 2024, 14 deles (19 representações) com impacto elevado na saúde. A conclusão é do relatório anual sobre disponibilidade de medicamentos, apresentado ontem pelo Infarmed - Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde.
Das ruturas notificadas, 3.160 (72%) foram consideradas efetivas e apenas metade apresentou uma duração inferior a dois meses. A Generis Farmacêutica esteve no top das empresas com maior número de ruturas, 520 de um total de 2.114 faltas.
A boa notícia é que os números de medicamentos em rutura estão a baixar ligeiramente desde 2022, ano em que falharam 21 substâncias ativas diferentes (27 apresentações).
A escassez de medicamentos começou a ganhar expressão depois da pandemia. "Entrámos numa fase em que, de uma forma global, se começaram a sentir dificuldades em determinados medicamentos na Europa, provavelmente, também, consequência de alguma descapacitação em termos de produção", avança o presidente do Infarmed, Rui Ivo, que acrescenta que "em determinadas áreas estaremos mais dependentes de outras regiões e essa realidade tornou-se mais evidente".
Perante esta situação, foi necessário "tomar medidas para minimizar os efeitos que podem advir dessas situações". Uma delas foi a criação de uma unidade específica no Infarmed, que faz a monitorização diária de ruturas e impõe medidas de mitigação e controlo de danos.
"As ruturas são muitas vezes de medicamentos que estão há mais tempo no mercado e há poucos fabricantes e poucas empresas a fabricar as matérias-primas". Por isso, foi definido um conjunto de incentivos à manutenção de medicamentos no mercado e ao aparecimento de novas empresas que possam desenvolver esses medicamentos, que passam pela simplificação de processos regulamentares, isenção de taxas, condições especiais na formação de preço, por exemplo.
A revisão anual de preços também continua, por decisão do governo, e os medicamentos (ambulatório e hospitalar) com preços mais baixos — até 15€ — e que do ponto de vista comercial podem ter menos interesse, podem sofrer aumentos limitados (para minimizar impacto no cidadão).
Também a legislação farmacêutica da União Europeia está a ser reformada, e parte diz respeito à disponibilidade de medicamentos. Pretende-se uma maior coordenação entre os países, reforço jurídico da lista de medicamentos críticos, avaliação de riscos e vulnerabilidades das cadeias de produção e fabrico e obrigatoriedade de planos de gestão.
"Todas as situações em que houve notificação ao Infarmed foram resolvidas. Na prática, não temos situações em que o medicamento não esteja disponível. O que não quer dizer que não haja medicamentos em que não possa haver alguma limitação, como é o caso da diabetes ou cancro (Ozempic e Tamoxífeno)", admite Rui Ivo.
Em 2024, os medicamentos agonistas dos recetores do GLP-1 (dulaglutido e semaglutido) bem como os medicamentos
contendo sucralfato, subcitrato de bismuto potássico + metronidazol + tetraciclina, estriol, proteínosuccinilato de ferro e metilfenidato foram os que registaram maior número de notificações de faltas por parte das farmácias, dos utentes e profissionais de saúde.
As situações de escassez de medicamentos são uma preocupação nacional, da União Europeia e global, garante o Infarmed. As causas de perturbação no normal abastecimento de medicamentos são de diversa ordem e envolvem diferentes intervenientes. Ainda assim, quase 58% tem origem no fabrico (as empresas têm de comunicar qualquer problema com dois meses de antecedência - e são obrigadas a ter stocks de dois meses -, mas 38% não o fazem) e um pouco mais de 21% deve-se ao aumento da procura.
Estes medicamentos falharam e estas foram as soluções
Em 2024, cerca de 1545 farmácias (aproximadamente 55% do universo total) fizeram notificações e foram vários os medicamentos em rutura. Na lista dos medicamentos com mais faltas notificadas estão o Trulicity, o Ozempic, o Ulcermin, o Pylera, o Ovestin, o Legofer, o Concerta, o Victoza, o Maltofer, o Inderal, o Rubifen e o Sucralfato Generis.
De acordo com o Regulamento de Gestão da Disponibilidade de Medicamentos, as farmácias e distribuidores por grosso devem notificar ao Infarmed as faltas de medicamentos. O Infarmed recolhe e analisa as notificações e atua junto de distribuidores por grosso e farmácias na mitigação e prevenção de situações de indisponibilidade.
Tamoxifeno
- Utilizado no tratamento do cancro da mama, tem tido falhas nos últimos 18 meses. Comercializado por uma empresa nacional, com fábrica em Marrocos, tem tido problemas no fabrico, com interrupções. Como não existe alternativa, o que o Infarmed pode fazer é importar outro medicamento. O Infarmed admite que continua a falhar nas farmácias e situação não é a mais cómoda, mas os doentes podem obter o medicamento nos hospitais, onde ele existe. Neste momento está em avaliação um segundo medicamento, de uma empresa concorrente, mas estes "são processos morosos", diz o Infarmed.
Ozempic
- Exemplo de medicamento com grande impacto nacional e internacional. Está há pouco tempo no mercado e a sua comparticipação é destinada apenas a doentes diabéticos e obesos (tem de ser cumulativo), não controlados e após a utilização de outras alternativas terapêuticas, coadjuvadas com dieta e exercício físico. A Comissão Nacional de Farmácia e Terapêutica considera que existem alternativas se estes medicamentos não estiverem disponíveis. "O Ozempic é considerado segunda ou terceira linha no tratamento da diabetes". E a obesidade não é comparticipada. O Ministério da Saúde estará a avaliar esta matéria em conjunto com o Infarmed e DGS. Na opinião do Infarmed, o Ozempic (comparticipado) não deve ser usado para a obesidade, ao contrário do que acontece em outros países.
Tamiflu
- Medicamento antiviral usado na prevenção e tratamento de gripe. A ruptura foi uma situação pontual, falha na cadeia logística, embora houvesse um stock "bastante grande". Foi suprida rapidamente.
Kreon
- A escassez afeta vários países, Reino Unido, Espanha, França e também Portugal. O medicamento, usado no tratamento da insuficiência pancreática, é comercializado apenas por uma empresa a nível europeu. O Infarmed tem mantido contacto com farmácias e distribuidores e foram dadas indicações aos profissionais de saúde para dispensa máxima de duas embalagens, "para evitar açambarcamentos e desperdício", e foram identificados doentes que não podem deixar de tomar o medicamento e os que podem utilizar alternativas.
Metilfenidato
- Usado no controlo da hiperatividade, registou grande aumento da procura e fabricantes não consegue aumentar a produção na mesma proporção. "Existem alguns genéricos disponíveis".
Estes são apenas alguns exemplos da intervenção do Infarmed, que em 2024 proibiu a exportação de 9.559 medicamentos para prevenir a sua escassez a nível interno. Além disso, foram concedidas Autorizações de Utilização Excecional (AUE) para 105 lotes, 1733 hospitais, 678 distribuidores e 2907 farmácias - o que inclui poder comercializar medicamentos sem autorização ou registo válidos em Portugal.
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