Esta mensagem foi deixada durante um banquete no Palácio Real de Amesterdão oferecido pelos reis dos Países Baixos, Willem-Alexander e Máxima, ao chefe de Estado português, Marcelo Rebelo de Sousa, durante a sua visita de Estado a este país.

"É sempre bem-vindo nos Países Baixos, mas uma visita de Estado este ano é uma ocasião especialmente festiva porque neste ano Portugal celebra o 50.º aniversário da Revolução dos Cravos, uma revolução que nos aproximou e que nós, nos Países Baixos, também vemos como um marco na história europeia moderna", declarou o monarca.

Numa intervenção em inglês, Willem-Alexander comparou Portugal a uma flor que "durante demasiado tempo" ficou "ainda em botão" e que com o 25 de Abril de 1974 "revelou ao mundo as suas verdadeiras cores", assumindo "a liberdade, os direitos humanos e a democracia como princípios orientadores" da sua nova Constituição.

"Depois de terem aderido à União Europeia em 1986, os nossos dois países tornaram-se ainda mais próximos. A história de Portugal é inspiradora para todos nós, uma história de como a liberdade, a tolerância e a cooperação podem florescer, e estamos-lhe gratos por isso. Numa altura em que valores como estes estão ameaçados em muitos lugares do mundo, o exemplo de Portugal oferece um farol de esperança", afirmou.

"Nos últimos 50 anos, o seu país alcançou um ritmo de desenvolvimento surpreendente. O que me impressiona é o quanto se manteve fiel à sua herança cultural, mesmo enquanto progrediam", elogiou o monarca.

A seguir, também em inglês, Marcelo Rebelo de Sousa lembrou que era um jovem no 25 de Abril e votou a Constituição de 1976 e realçou como Portugal conseguiu, uma década depois, juntar-se às comunidades europeias e mais tarde aderir à moeda única.

"Aprendemos com democracias antigas como a vossa, e aprendemos muito convosco, durante séculos. Claro que estaremos prestes a fazer 900 anos, muito em breve, mas a verdade é que já viviam um espírito de liberdade e de tolerância na altura da Inquisição, quando nós expulsámos do nosso território aqueles que vieram para o seu país", acrescentou, recordando a expulsão dos judeus ordenada por D. Manuel em 1496.

Tanto Marcelo Rebelo de Sousa como Willem-Alexander lembraram o filósofo Espinosa, de origem portuguesa, que o monarca descreveu como "um pioneiro, abrindo caminho para a liberdade de pensamento e de expressão, um explorador, amante da paz, que se recusou a aceitar ideias enraizadas ou respostas fáceis", comentando: "Às vezes penso que precisamos de um pouco mais de Espinosa".

O chefe de Estado português, por sua vez, considerou que Espinosa "significa racionalismo, que é tão raro neste mundo de hoje de emoções e, por vezes, de irracionalidade", assinalando como referência feita antes pelo seu homólogo demonstra "o significado que atribui a ser racional, ser livre, ser tolerante e dialogar com todos".

Marcelo Rebelo de Sousa lembrou também "alguém que era aqui uma espécie de embaixador", Damião de Góis, "conselheiro do rei, que explicava como era possível viver nos futuros Países Baixos de forma livre, de forma tolerante".

Ambos destacaram a "economia azul" como prioridade comum e propuseram aos presentes neste banquete de Estado que brindassem "à amizade" entre Portugal e os Países Baixos.

O monarca neerlandês qualificou os dois países como "aliados próximos" na NATO e União Europeia e "amigos de confiança na arena global", de "mentalidade transatlântica e aberta".

"Esta minha visita é uma forma de mostrar a força da nossa amizade, da nossa fraternidade, da nossa aliança, em todo o lado, sempre", disse Marcelo Rebelo de Sousa, realçando que há 35 anos não havia uma visita oficial de um chefe de Estado português aos Países Baixos.

Marcelo pede política para a diáspora e critica "ziguezagues" na ciência

O presidente Marcelo Rebelo de Sousa encontrou-se com investigadores e académicos portugueses, num hotel Amesterdão, durante a sua visita aos Países Baixos, e ouviu queixas sobre o orçamento e o funcionamento da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) e do meio académico português em geral, sobre a burocracia, os salários e as condições de trabalho para quadros qualificados em Portugal.

Segundo o chefe de Estado, "em matéria política de ciência tem havido muitos ziguezagues, quer das universidades, quer do Estado", e com a recente mudança de poder executivo "o panorama mudou um bocadinho, porque este Governo, como se sabe, não tem Ministério da Ciência e Tecnologia, unificou numa área mais vasta toda a Educação, mais a Ciência e domínios afluentes".

"Nesse sentido, estamos numa fase ainda de redefinição, o que deve explicar porque é que também a FCT está numa fase de redefinição. São poucos meses. Mas eu concordo que faz falta uma política de médio prazo", disse.

Em concreto sobre o orçamento da FCT, o Presidente da República referiu não saber "como é que fica na versão final" do Orçamento do Estado para 2025, acrescentando: "Mas a FCT, é um problema que há, se fica um buraco muito grande. Falava-se em 60 milhões, vamos lá ver".

Neste encontro participaram também o ministro da Economia, Pedro Reis, que contrapôs não haver "necessariamente a redução dos fundos que atingem a ciência", e a secretária de Estado dos Assuntos Europeus, Inês Domingos, que falou do objetivo do Governo de "trazer jovens" de regresso ao país.

Inês Domingos contou que também ela viveu no estrangeiro e voltou "para ser mais pobre e pronto", observando: "Foi o que me aconteceu, e muito bem, estou muito feliz com isso".

O Governo quer aplicar "um quadro fiscal muito mais atrativo para os jovens que voltem, em particular até aos 35 anos", destacou, em seguida.

Relativamente às queixas sobre a burocracia, no entender do chefe de Estado e professor catedrático jubilado, é verdade que o meio académico se mantém "muito burocrático", mas "isso é um bocadinho Portugal, e a academia, em muitos casos, é mais burocrática do que outras áreas da Administração Pública, porque ainda é um bocadinho conservadora".

Quando um investigador e professor apontou a falta de "um plano para atrair esta diáspora, antes que comecem a fazer família", Marcelo Rebelo de Sousa agradeceu-lhe: "É um bom ponto esse, não haver um plano global quanto ao regresso a Portugal. Há várias iniciativas, há uma orientação política geral, mas sabe que há um problema complexo nessa matéria, que é saber onde localizar isso".

"Houve um tempo em que eu defendia que devia haver um ministério autónomo para a diáspora", referiu.

No fim desta sessão, o Presidente da República defendeu que Portugal deve seguir o exemplo de países como o Luxemburgo, que têm "uma política nacional para a sua diáspora".

Marcelo Rebelo de Sousa pediu que haja "uma aposta do Estado português à medida da importância estratégica" que se atribui aos emigrantes e lusodescendentes espalhados pelo mundo.

"Não há. Há uma Secretaria de Estado para as Comunidades, que tem uma exiguidade pequena de meios para as comunidades todas em geral, inserida no Ministério [dos Negócios Estrangeiros]. Portanto, é um problema de fundo", apontou.

Retomando a questão sobre "onde localizar" essa responsabilidade a nível do Estado, comentou: "Os Negócios Estrangeiros não podem, é um ministério com recursos escassíssimos, que tem o pessoal do mais qualificado que há, mas com recursos escassíssimos, faz omeletes com cascas de ovo".

"É a nível de primeiro-ministro? É a nível de outros ministérios?", interrogou.