“[Viver na Amazónia] é estar em sintonia com a natureza, com a criação de Deus, é importante ver como os povos indígenas vivem nessa igualdade, nessa transparência, nessa harmonia com toda a natureza, sem desequilíbrio nenhum, sem destruição”, afirmou à agência Lusa o missionário da congregação Capuchinhos, no Vaticano, onde hoje começa o Sínodo dos Bispos sobre a Amazónia.
A viver em Porto Velho, na Rondónia, um dos nove estados brasileiros que partilham a Amazónia, Volmir Bavaresco apoia mais de 60 povos indígenas, com cerca de 15 mil pessoas, sendo que a sua missão entra igualmente nos estados brasileiros do Amazonas e Mato Grosso.
“É um resto de Israel, pensando na Bíblia. É um pequeno grupo que existe, porque foi quase todo extinto na época do contacto”, declarou, explicando que na Rondónia há muitos povos indígenas que têm “15 e 20 pessoas”.
Dos primórdios da vida de missionário recorda que chegava a fazer 100 quilómetros a pé, com mochila às costas, para chegar às aldeias indígenas. Agora, com viaturas, faz 900 ou mil quilómetros para o trabalho missionário.
Questionado sobre as maiores dificuldades que a população indígena enfrenta, o missionário apontou que os governantes “tentam, de toda a maneira, roubar-lhe a natureza, roubar-lhe toda a dignidade que tem, até certo ponto até de vender as próprias terras para as companhias mineradoras estrangeiras”.
“Esse é o nosso Governo brasileiro no dia de hoje”, criticou.
Sobre os fogos que afetaram a Amazónia, sobretudo em agosto, Volmir Bavaresco declarou que é “muito lamentável” ver como são muitos incêndios que derrubam a floresta amazónica, “principalmente, em terras e parques indígenas”.
“É um incentivo do Governo brasileiro a invadir os territórios, a fazer loteamento nos territórios e aí atear fogo, sem fazer aceiros para que o fogo entre na floresta”, alertou.
Quanto ao trabalho missionário na Amazónia, adiantou que “é muito vigiado e até ameaçado pelo grande latifúndio”.
A missão “é tentar viver de modo espiritual a maneira como eles sempre viveram, como eles têm contacto com a criação de Deus através dos espíritos que existem na floresta e os espíritos que eles têm”, referiu ainda, para explicar: “É mais um diálogo inter-religioso do que uma imposição de sacramentos. Só se dão os sacramentos quando pedem”.
Sara Sánchez, do Conselho Indigenista Missionário (CIM), organismo da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, que atua há mais de 40 anos na defesa dos direitos povos indígenas e dos seus territórios, explicou que o trabalho desta organização “procura que os povos sejam autónomos e protagonistas da sua história e garantam os seus direitos”.
Afirmando que o CIM luta para que “as terras sejam demarcadas, sejam protegidas e não sejam invadidas nem pelos grandes projetos da mineração e de grandes projetos de soja”, Sara Sánchez defende que o mundo “tem de olhar a Amazónia com respeito e sabendo que existem lá povos diferentes”.
“O que os povos indígenas nos ensinam é que há outra forma diferente de se relacionar com a natureza e não precisamos de destruir para podermos construir grandes impérios, grandes riquezas”, apontou.
O Papa Francisco anunciou um sínodo especial sobre a Amazónia em 15 de outubro de 2017, que arranca hoje e termina no dia 27. Tem como tema “Amazónia: Novos caminhos para a Igreja e por uma ecologia integral”.
Na sua encíclica "Laudato si", “Sobre o Cuidado da Casa Comum” (maio de 2015), Francisco refere-se à Amazónia como um dos pulmões do planeta repletos de biodiversidade, considerando que a importância deste e de outros lugares “para o conjunto do planeta e para o futuro da humanidade não se pode ignorar”.
No documento, o papa reconhece, ainda, haver “propostas de internacionalização da Amazónia que só servem aos interesses económicos das corporações internacionais”.
A Amazónia, que tem a maior biodiversidade registada numa área do planeta, tem cerca de 5,5 milhões de quilómetros quadrados e inclui territórios do Brasil, Peru, Colômbia, Venezuela, Equador, Bolívia, Guiana, Suriname e Guiana Francesa (pertencente à França). Foi fustigada por incêndios em agosto.
Segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), a desflorestação da Amazónia aumentou 222% em agosto em relação ao mesmo mês de 2018.
De acordo com a Fundação Nacional do Índio (Funai), entidade coordenadora e principal executora da política para os indígenas do Governo do Brasil, a população indígena do país é de 817.963 pessoas, das quais 502.783 vivem em zonas rurais e 315.180 habitam as zonas urbanas.
* Sílvia Reis, enviada da agência Lusa
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