O decreto da Assembleia da República que despenaliza a morte medicamente assistida foi hoje enviado para o Presidente da República para promulgação, segundo informação divulgada à Lusa pelo gabinete do presidente do parlamento.
Mas o Presidente da República confirma as reservas levantadas ao documento da lei da eutanásia ao enviar, pela terceira vez, o diploma ao Tribunal Constitucional (TC).
O Presidente justifica o envio, numa mensagem publicada na página da Presidência da República na Internet, recordando que "em 2021, o Tribunal Constitucional formulou, de modo muito expressivo, exigências ao apreciar o diploma sobre morte medicamente assistida – que considerou inconstitucional – e que o texto desse diploma foi substancialmente alterado pela Assembleia da República, o Presidente da República requereu a fiscalização preventiva do Decreto n.º 23/XV, acabado de receber, para assegurar que ele corresponde às exigências formuladas em 2021", pode ler-se no comunicado publicado no site da presidência.
Marcelo Rebelo de Sousa pretende deste modo clarificar o diploma para que não restem dúvidas levantando também reservas quanto à aplicação da lei em todo o território nacional, incluindo as regiões autónomas.
"Por outro lado, de acordo com a jurisprudência constante do Tribunal Constitucional, parece não avultar, no regime substantivo do diploma, um interesse específico ou diferença particular das Regiões Autónomas", diz a nota publicada pela presidência.
Ainda sobre as regiões autónomas pode ler-se "quanto ao acesso dos cidadãos aos serviços públicos de Saúde, para a efetiva aplicação desse regime substantivo, o diploma só se refere a estruturas competentes exclusivamente no território do Continente (Serviço Nacional de Saúde, Inspeção-Geral das Atividades de Saúde, Direção-Geral de Saúde), em que não cabem as Regiões Autónomas".
O Presidente salienta ainda que o diploma deve "referir-se aos Serviços Regionais de Saúde, que são autónomos, deverá, obviamente, envolver na sua elaboração os competentes órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira".
Horas antes de enviar o diploma para a presidência da República, o parlamento rejeitou "em definitivo" uma reclamação apresentada pelo Chega por "inexatidões no decreto sobre a morte medicamente assistida".
Em dezembro, o Chega apresentou uma reclamação ao presidente do parlamento, alegando que a redação final do decreto diferia nalguns pontos daquilo que foi aprovado, levantando “indesejáveis dúvidas e incertezas jurídicas de interpretação normativa”.
Os serviços do parlamento “não se limitaram a aperfeiçoar a sistematização do texto e o seu estilo, antes modificaram o pensamento legislativo”, alegava o partido.
Mas Augusto Santos Silva rejeitou a reclamação do Chega, justificando que a redação final não modificou o pensamento legislativo, limitando-se a aperfeiçoar texto e estilo.
“Examinados os argumentos invocados pelo ora reclamante, verifica-se que a fixação da redação final foi feita em total respeito pelo artigo 156.º do Regimento, não modificando o pensamento legislativo e limitando-se a aperfeiçoar a sistematização do texto e o seu estilo”, referiu Santos Silva, em despacho.
Pouco depois de Marcelo Rebelo de Sousa remeter o diploma para o Tribunal Constitucional, esta quarta-feira, André Ventura congratulou a decisão do Presidente.
"O Presidente compreendeu o que o plenário e os vários partidos não conseguiram compreender, que é: este diploma violava os direitos fundamentais da constituição", disse Ventura aos jornalistas lamentando a decisão anterior tomada pelo parlamento sobre a reclamação do Chega.
"Os vários direitos fundamentais não foram tidos em conta pelo legislador", lamentou.
"É uma decisão do Presidente positiva que vai dar solidez ao diploma se vier a entrar em vigor. Assim ficamos a saber que não violará qualquer lei", concluiu o líder do Chega à saída do plenário.
Já Marcelo Rebelo de Sousa, ouvido pelos jornalistas à saída da tomada de posse dos novos membros do governo, fez saber que "já tinha enviado anteriormente o diploma à Assembleia para que se ultrapassasse as questões apontadas pelo Tribunal Constitucional, entre elas a questão da doença fatal", que foi excluída pelo parlamento, disse o Presidente justificando que, na primeira vez, perguntou ao Tribunal se as expressões utilizadas no diploma eram claras no momento da sua aplicação.
“O Tribunal Constitucional entendeu que não e pronunciou-se pela inconstitucionalidade de algumas regras do diploma, que voltou à Assembleia para as alterar. Ficaram algumas contradições entre regras. E eu devolvi à Assembleia para ela ultrapassar essa contradição, o que fez” já nesta legislatura, apontou.
"Convém que haja entendimento sobre o que diz a Constituição para que não viole qualquer lei", lembrou o Presidente.
"A segunda razão tem a ver com as regiões autónomas, uma vez que a matéria é tratada a nível nacional. É verdade que há serviços regionais que são autónomos e é verdade que a aplicação do diploma está apontada para o serviço nacional de saúde. Então, é preciso perceber como cada região autónoma vai aplicar a lei tendo em conta cada serviço regional", explicou o chefe de Estado.
"A minha preocupação reside na, sempre, incerteza do Direito. É preciso saber se esta última versão adotada pela Assembleia preenche ou não preenche as recomendações que o Tribunal Constitucional enviou da última vez", concluiu Marcelo Rebelo de Sousa.
(notícia atualizada às 20h54)
*com Lusa
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