Dia 7 de setembro assinalaram-se os 200 anos da independência do Brasil e quis o calendário que a data calhasse no meio de uma pré-campanha eleitoral das mais duras que o Brasil enfrenta. O presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, foi ao Brasil e assistiu às comemorações oficiais numa tribuna ao lado do presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, que se recandidata e que tem como principal adversário Lula da Silva, um ex-presidente sucessivamente caído em desgraça e em graça, e que leva a dianteira nas preferências do eleitorado a julgar pelas sondagens mais recentes.
O presidente brasileiro não se coibiu de fazer campanha eleitoral num evento institucional, estando exposta na tribuna uma bandeira do país em que se lia "Brasil sem aborto. Brasil sem drogas" no lugar em que por direito estaria "Ordem e Progresso".
Quis também o calendário que a semana fosse marcada pela morte da rainha Isabel II, o que terá porventura limitado uma discussão mais alargada sobre o que aconteceu na cerimónia comemorativa dos 200 anos da independência brasileira - voltaremos certamente ao tema nas próximas semanas, já que a 2 de outubro os brasileiro elegem o novo presidente.
Regressando à cerimónia dos 200 anos. Marcelo Rebelo de Sousa ficou a maior parte do tempo entre o Presidente e o vice-presidente do Brasil, Hamilton Mourão.
Durante algum tempo, o lugar do chefe de Estado português na tribuna foi tomado pelo empresário brasileiro Luciano Hang, apoiante de Bolsonaro, que teve acesso ao espaço do próprio desfile, onde foi saudar a multidão. Luciano Hang não é um nome reconhecido pela maior parte dos portugueses, mas será facilmente reconhecível nas fotografias como o homem vestido de fato verde com gravata amarela - impossível passar despercebido.
Quem é Luciano Hang, além do homem que na foto ocupou a tribuna de honra no lugar em que ficam as autoridades e onde estariam os presidentes do Supremo Tribunal Federal (STF), da Câmara e do Senado, que não compareceram ao evento? Além de apoiante de Bolsonaro, Hang é um dos oito empresários alvos de operação da Polícia Federal em agosto por suspeita de terem defendido um golpe de Estado caso o ex-presidente Lula da Silva (PT) vença as eleições presidenciais deste ano.
Tudo isto é grave e antecipa semanas tensas num país a que nos unem laços fortes e que tem um papel decisivo no contexto da América do Sul e do mundo de língua portuguesa.
Hoje, num dos eventos programados em Lisboa para assinalar o bicentenário da independência, no Palácio de São Bento, António Costa afirmou que "nem todos os sonhos se concretizam sempre. Muitas vezes são tristes, são frustrantes, são difíceis. É verdade. O racismo, a xenofobia, também se diz na nossa língua, que é a língua portuguesa. Diz-se cá, como muitas vezes os portugueses também se queixaram de ser objeto de anedotas, como os padeiros e os ‘Manéis’ no Brasil. É assim, nem sempre é fácil viver numa terra onde não se nasceu e onde não se cresceu”.
Há 250 mil brasileiros a viver em Portugal e um milhão de portugueses a viver no Brasil - além das razões humanas óbvias para desejarmos o bem, há laços que unem famílias, amigos, projetos dos dois lados do Atlântico.
Mas, também hoje, a tensão subiu mais um pouco, com Lula da Silva a acusar Bolsonaro de "genocida" na sequência do homicídio de um apoiante seu, em Mato Grosso.
“Lamento qualquer morte que seja politicamente motivada, que seja motivada por uma discussão entre fãs de futebol, ou qualquer motivação estúpida. Lamento isso”, foi a resposta de Bolsonaro sobre o que se passou num evento em que evitou falar com jornalistas.
Estas não são as eleições que os moderados desejariam, de direita ou de esquerda. Ser moderado pode estar fora de moda, mas quando a tensão divide um país da forma como está a acontecer no Brasil, vale a pema repensar o valor da moderação.
Comentários