A dirigente socialista falava à Lusa após a 3.ª Conferência sobre Transparência, Corrupção, Boa Governação e Cidadania em Angola", em que foi oradora no painel "O Combate ao Branqueamento de Capitais com Origem em Angola por Parte da União Europeia e de Portugal - O Papel da União Europeia e de Portugal: Ações e Omissões".
"As omissões são imensas e não são só em matéria de regulamentação, não é o problema da lei, mas sim o cumprimento da lei, designadamente as diretivas europeias para o branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo", sublinhou Ana Gomes, que deixa hoje à noite Luanda, onde chegou na quinta-feira.
Portugal, disse, tem tido um comportamento "perfunctório" em "muitas das chamadas entidades obrigadas" em Portugal, incluindo, exemplificou, sociedades de advogados, "que são intermediárias no negócios e investimentos de angolanos com dinheiro roubado ao Estado angolano", mas também contabilistas ou entidades de supervisão financeira.
"Como é possível que vários bancos em Portugal sejam instrumentos de pessoas politicamente expostas angolanas, com dinheiro obviamente desviado de forma abusiva e possivelmente criminal de Angola para ser investido em Portugal e que as autoridades portuguesas nada digam e deixem correr o marfim?", questionou.
Em causa está a Lei de Repatriamento de Capitais angolana, publicada a 26 de junho deste ano, que definiu que os cidadãos e empresas angolanas têm até 26 de dezembro (180 dias) para repatriar voluntariamente, sem perguntas ou investigações das autoridades, os recursos financeiros ilicitamente retirados de Angola, podendo até receber incentivos estatais.
De acordo com a lei, entre esses recursos, sem um teto mínimo, contam-se "depósitos bancários, à ordem, a prazo ou na forma de certificados de depósito ou de aforro, em contas domiciliadas em instituições financeiras bancárias no estrangeiro".
A 25 de setembro, tal como noticiou a Lusa, o ministro da Justiça e Direitos Humanos angolano, Francisco Queirós, sem nomear, lamentou a falta de colaboração de alguns bancos onde se encontram domiciliados capitais de origem ilícita, alegando que criam "alguma resistência em largar mão desses capitais".
O ministro angolano considerou "incoerente" a atitude dessas instituições financeiras "dos chamados paraísos fiscais ou mesmo das grandes capitais financeiras internacionais, cujos governos ostentam um discurso de combate à corrupção, ao branqueamento de capitais e a outras práticas conexas, mas na prática dificultam as operações de regresso dos ativos aos países de origem".
Para Ana Gomes, paralelamente à Lei de Repatriamento de Capitais aprovada pelo Governo do Presidente angolano, João Lourenço, está também em causa a implementação, em Portugal, dos vistos 'gold' que, no seu entender, "facilita a lavagem de dinheiro" e permite "a importação da criminalidade organizada para a União Europeia, um esquema absolutamente imoral".
"A UE põe todo o tipo de dificuldades à imigração ilegal, não tem canais legais e seguros para as pessoas que queiram vir para a UE ou até mesmo para requerentes de asilo, que se têm de colocar nas mãos das redes de traficantes para chegar a território europeu e depois pedir asilo", referiu a eurodeputada do Partido Socialista (PS) português.
"Mas, ao mesmo tempo, facilita, através dos vistos 'gold', um canal dourado para gente de outras proveniências, com dinheiro, para comprar a cidadania ou o direito de residência no espaço Schengen, com esquemas que são facilitadores do branqueamento de capitais e da importação da criminalidade. Isso é absolutamente insustentável", criticou Ana Gomes.
Na opinião da eurodeputada, Portugal "deve colaborar agora na recuperação desses ativos, garantir que a titularidades dos fundos investidos em Portugal e noutros países europeus volta para Angola".
"Parece-me essencial. Exige uma vontade política do Estado angolano. E há hoje leis e mecanismos na Europa, pagos pela própria UE, que podem ajudar as autoridades angolanas. Angola pode ter os apoios de que precisa para essa recuperação de ativos e Portugal tem essa obrigação de colaborar", defendeu.
Nesse sentido, sustentou, "a banca tem de estar pelos ajustes", assim como os supervisores europeus e nacionais têm de atuar, estando essa lacuna na base do caso BES/BESA (Banco Espírito Santo/Banco Espírito Santo Angola)", que os dois países têm de "deslindar".
Para Ana Gomes, esse deve ser um dos assuntos prioritários a ser tratado durante a visita oficial de João Lourenço a Portugal, de 22 a 24 deste mês.
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