Bombeiro há 24 anos em Castanheira de Pera, Rui Rosinha sofreu queimaduras no fogo de Pedrógão Grande, quando o veículo de combate a incêndios em que seguia embateu contra uma viatura que circulava em sentido contrário na Estrada Nacional 236-1.
No julgamento de 11 arguidos para determinar responsabilidades nos incêndios de Pedrógão Grande, em junho de 2017, nos quais o Ministério Público contabilizou 63 mortos e 44 feridos quiseram procedimento criminal, a vítima adiantou que se deparou com um “incêndio de grandes dimensões”, com “ventos ciclónicos”.
“Houve uma conjugação de fatores entre material de combustível e condições meteorológicas adversas”, que contribuíram para um “evento extremo” e um “incêndio de grande dimensões”, adiantou Rui Rosinha.
Segundo referiu, quando se resguardou do incêndio no entroncamento da EN 236-1, em Vilas de Pedro, via os “'rails' da estrada incandescentes”.
“Só posso referir-me ao local onde estive. Aí era fogo por todo o lado. Vertical e horizontal, não era um incêndio normal, daqueles que estamos habituados a viver. O comportamento do incêndio era totalmente fora dos padrões do normal. Havia todo o combustível a arder ao mesmo tempo. Tudo o que havia para arder, ardia”, constatou.
Rui Rosinha revelou ainda que a EN 236-1 não estava limpa. “Passei lá uma semana antes e não vi limpeza nenhuma. Como utilizador da estrada, a vegetação estava muito má, nem era seguro a nível rodoviário”, acrescentou.
Habituado a combater fogos florestais, o bombeiro afirmou que enfrentou “situações complicadas, mas nada parecido com esta”.
Confrontado com o que foi diferente neste incêndio, Rui Rosinha apontou as condições atmosféricas. “Às 06 da manhã já se fazia sentir um grande calor e nunca experienciei um vento daqueles. Tinha uma força enorme. Tenho 1,89 metros e até tinha de me segurar”, relatou.
Mário Pinhal fugiu com os pais e uma tia num carro e a mulher e as filhas noutro. Estas viriam a falecer no incêndio.
Num testemunho emocionado, o assistente contou que nesse dia se viveram “ventos ciclónicos”, lembrando as altas temperaturas na EN 236-1: “Vi uma pessoa a sair do carro e de imediato a camisa e o cabelo desapareceram”.
A testemunha revelou também que a “dois, três metros, da estrada havia vegetação”: “Havia silvas, mato… havia tudo”, disse.
A advogada do ex-vice-presidente da Câmara de Pedrógão Grande, Catarina Gil Guerra, defendeu hoje que “faltam pessoas” neste julgamento e apontou o dedo ao Governo, frisando que devia ter sido criado um “período de risco”.
“Com os alertas que houve do IPMA [Instituto Português do Mar e da Atmosfera] não se compreende como é que, naquela altura, o período de risco ainda não estava criado. Estando nós em zonas críticas, não havia circulação naquelas vias e, nessa medida, o prejuízo e as mortes teriam sido muito menores”, adiantou.
A advogado acrescentou que as portarias que classificavam esse período “não saíram atempadamente”, pelo que “houve uma grande falha e uma grande desatenção por parte do Governo”.
Catarina Gil Guerra lamentou ainda que o julgamento esteja à procura se “estas causas são as responsáveis”, ao invés de “apurar quais as causas”.
“Existiam muitas outras que deveriam ter sido investigadas para saber se houve mais para além destas. Parece que se escolheram algumas responsabilidades e vamos apurar estas. Esse é o cerne da questão”, acrescentou.
O advogado de duas famílias, Ricardo Sá Fernandes, confessou que “foi particularmente duro ouvir o depoimento” dos familiares das vítimas, considerando que o “julgamento pode trazer sossego, paz interior”.
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