“[A vegetação estava] num estado lastimável”, afirmou Joaquim Domingos Conceição, em mais uma sessão do julgamento para apurar eventuais responsabilidades criminais dos fogos de Pedrógão Grande, salientando que no período em que ocorreram os incêndios “não estava limpo”.
Nos incêndios de Pedrógão Grande, no distrito de Leiria, em junho de 2017, o Ministério Público (MP) contabilizou 63 mortos e 44 feridos quiseram procedimento criminal.
Foi na EN 236-1, que liga Castanheira de Pera a Figueiró dos Vinhos, que ocorreu a maioria das mortes.
De acordo com o despacho de acusação, Gonçalo Conceição, de 39 anos, era um dos cinco bombeiros da corporação de Castanheira de Pera que estava numa viatura que circulava na EN 236-1 no dia 17 de junho.
Nesta via, um carro com três ocupantes embateu na viatura da corporação dado o “fumo denso que se havia formado” devido ao incêndio, sustenta o MP.
Os cinco bombeiros saíram da viatura, “ficando de imediato expostos a um calor intenso, começando os óculos de proteção e as máscaras que traziam colocados a derreter”, lê-se no documento.
Apesar de ainda terem tentado salvar os três ocupantes do carro, os bombeiros “não o conseguiram” e seguiram a pé “em direção ao cruzamento de Vilas de Pedro, na EN 236-1, “onde chegaram no momento em que a frente do incêndio por ali passou, gerando uma onda de calor muito intensa, ficando todos a ela expostos durante cerca de meia hora, até serem socorridos”.
“Todos sofreram queimaduras”, refere o MP, salientando que devido àquelas Gonçalo Conceição acabou por morrer dois dias depois, na Unidade de Queimados do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra.
Após o depoimento, o pai do bombeiro, proprietário de um hotel em Castanheira de Pera, pediu ainda a palavra para dizer que hoje passavam exatamente quatro anos da data do funeral do filho, o que levou a presidente do coletivo de juízes, Maria Clara Santos, a lamentar a coincidência das datas.
Já a mãe do bombeiro, Maria Soledade Conceição, que como o marido vestia roupa preta, explicou que a vegetação junto àquela via “estava péssima” e, referindo-se a uma zona específica, notou que a copa das árvores “parecia um túnel”.
A testemunha adiantou que só viu trabalhos de limpeza naquela via “depois dos incêndios e na semana passada”.
Quer Maria Soledade, quer o marido, declararam ainda que não receberam qualquer alerta sobre o incêndio.
“Quando nos apercebemos que havia muito fumo, muito vento, tínhamos o hotel com 30, 40 pessoas. Mandámos os funcionários para casa, ativámos o alarme”, contou, referindo que indicaram a clientes o caminho da Praia das Rocas, “amplo e que tinha muita água”, tendo também mandado pessoas em direção à serra da Lousã, “porque ainda não estava a arder”.
“Estávamos entregues a nós próprios”, afirmou Maria Soledade, lembrando que, quando passou “um carro dos bombeiros”, de Lisboa, que “andava de um lado para o outro”, pois “não sabiam o caminho”, foi dito ao casal: “Desenrasquem-se porque não temos ordem [para parar]”.
Na manhã de hoje foram ainda ouvidas mais quatro testemunhas que perderam familiares nos incêndios de Pedrógão Grande, incluindo a ex-presidente da Associação de Vítimas do Incêndio de Pedrógão Grande Nádia Piazza.
O julgamento, com 11 arguidos, aos quais são imputados crimes de homicídio por negligência e ofensa à integridade física por negligência, alguns dos quais graves, prossegue à tarde.
Os arguidos são o comandante dos Bombeiros Voluntários de Pedrógão Grande, Augusto Arnaut, então responsável pelas operações de socorro, dois funcionários da antiga EDP Distribuição (atual E-REDES) e três da Ascendi, e o ex-presidente da Câmara de Castanheira de Pera Fernando Lopes.
Os presidentes das Câmaras de Figueiró dos Vinhos e Pedrógão Grande, Jorge Abreu e Valdemar Alves, respetivamente, também foram acusados.
O antigo vice-presidente da Câmara de Pedrógão Grande José Graça e a então responsável pelo Gabinete Florestal deste município, Margarida Gonçalves, estão igualmente entre os arguidos.
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