Estas entidades constituíram-se assistentes ou demandantes no processo sobre supostas irregularidades na reconstrução de casas no concelho de Pedrógão Grande, distrito de Leiria, na sequência dos incêndios de junho de 2017, que levou à acusação de 28 arguidos, entre os quais o ex-presidente daquele município e um antigo vereador, Valdemar Alves e Bruno Gomes, respetivamente.
Nas alegações finais do julgamento do Tribunal Judicial de Leiria, que hoje começaram na Exposalão, Batalha, o advogado José António Barreiros, da União das Misericórdias (UMP), começou por dizer que o que chegava a esta entidade “era um processo instruído com indicação do que era para ser custeado”.
A UMP celebrou um protocolo com a Fundação Calouste Gulbenkian e Instituto da Segurança Social (em representação do Revita), para, entre outros, apoiar a reconstrução e apetrechamento de casas afetadas pelos incêndios. Em causa estão cerca de 470 mil euros em apoio concedido supostamente de forma ilegal cuja devolução é agora reclamada.
O Revita é um fundo de apoio às populações e à revitalização das áreas afetadas pelos incêndios ocorridos em junho de 2017. Agrega a recolha de donativos em dinheiro, em espécie de bens móveis ou em serviços.
José António Barreiros afirmou que a UMP é contaminada por um “processo enganatório”.
“Se soubesse ‘a priori’ que estivesse a financiar casas secundárias, [a União das Misericórdias] pensaria duas vezes”, referiu, dando como assentes os prejuízos, mas defendendo que a “Justiça pode passar por algo como o ressarcimento”.
O advogado acrescentou fazer-lhe impressão de que “possa ter havido aproveitamento para situações que não mereciam apoios”, salientando: “Também faz-me confusão que isto tenha sido feito em preterição de outros”.
José António Barreiros defendeu ainda que as verbas em caso de reposição pelos arguidos por determinação do Tribunal devem ser aplicadas exatamente no mesmo fim ou no mais próximo possível da finalidade a que inicialmente se destinavam.
Por seu turno, o advogado Artur de Bragança Teixeira, da Fundação Calouste Gulbenkian, destacou que a parceria com a UMP “confiou plenamente num processo que lhe pareceu idóneo e independente” e foi nesse sentido que “aplicou fundos próprios e doados”.
“O critério das habitações permanentes era um critério absolutamente fundamental para a parceria como condição ‘sine qua non’ para apoio”, destacou, notando que nos quatro processos de reconstrução desencadeados pela Fundação e pela UMP nenhum se tratava de habitação permanente “e foi garantido que se tratava”.
Artur de Bragança Teixeira adiantou que “os fundos entregues pela parceria foram-no por base num erro e engano” por força “da atuação conjunta dos arguidos”, preconizando que caso o Tribunal opte por alguma pena, esta deve ser suspensa mediante pagamento do pedido de indemnização.
Já a advogada da Cruz Vermelha Portuguesa (CVP), Paula Cremon, recordou que esta instituição de assistência humanitária celebrou um protocolo com a Câmara de Pedrógão Grande “para a reconstrução de à data cinco habitações”, frisando que, “tal e qual as outras entidades que vêm agir numa situação de emergência, não vão reparar piscinas, segundas habitações, casas de férias”.
Segundo a advogada, o protocolo visa a reconstrução de “primeiras habitações, as permanentes”, confiando a CVP que as casas que lhe eram entregues para reconstrução eram de primeira habitação.
“Este julgamento deixou-nos profundamente chocados porque estamos a falar de arguidos, dois dos quais com responsabilidades soberanas (…) e para quem o perdão de atuação se torna muito difícil”, considerou Paula Cremon.
“Pouco importa se o fizeram por motivos políticos ou por outros motivos mais recônditos, mas ficou claramente provado que em circunstância alguma o fizeram por negligência. Não. Houve dolo na atuação”, sustentou, reconhecendo que a CVP e todas as outras entidades que deram a cara no âmbito do apoio a Pedrógão Grande tiveram o seu bom-nome posto em causa.
Neste processo, a CVP requer, na eventualidade de ser provada a utilização indevida de fundos, o ressarcimento de 110 mil euros que foram disponibilizados para a recuperação de três casas, dado que uma não foi iniciada e outra veio a ser retirada do processo na fase de instrução. Pede ainda, a título de danos não patrimoniais, a quantia de 25 mil euros.
Este primeiro dia de alegações finais terminou com a advogada do Revita que enumerou os casos em que os arguidos, “de forma ilegítima” acederam a apoios, referindo que o Conselho de Gestão do fundo acreditou que os documentos apresentados “eram verídicos”, pelo que aceitou financiar essas reconstruções.
Defendendo que o fundo Revita “deve ser ressarcido”, a causídica pediu que “fosse considerada uma pena suspensa” para os arguidos, sendo uma das condições a devolução dos montantes peticionados no pedido civil.
De manhã, o Ministério Público pediu prisão efetiva para Valdemar Alves e Bruno Gomes. Quanto aos restantes 26 arguidos, penas de prisão suspensas na sua execução.
Os antigos autarcas estão pronunciados por 20 crimes de prevaricação de titular de cargo político, 20 crimes de falsificação de documento e 20 crimes de burla qualificada, os mesmos do despacho de acusação.
O julgamento prossegue no dia 18.
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