“Tínhamos ventos de norte como de sul, remoinhos de fogo que, por sua vez, criavam a projeção de partículas de forma descontrolada”, afirmou Carlos Silva no Tribunal Judicial de Leiria, onde hoje prosseguiu mais uma audiência de julgamento.
Carlos Silva comandou uma coluna de meios, do sul e centro do distrito de Leiria, que se instalou em Pedrógão Grande, no norte, para combater o incêndio.
O antigo responsável da corporação de Óbidos explicou que com este comportamento não se podia “prever a direção certa que o incêndio poderia ter”.
“Foi o incêndio onde estive até hoje com o comportamento mais atípico”, declarou, considerando que dificilmente alguém poderia ter a noção do comportamento que o fogo ia ter.
Carlos Silva precisou que nunca através do AROME (previsão meteorológica específica para um local) se conseguia compreender o comportamento que o incêndio iria ter.
A testemunha, que foi comandante municipal da Proteção Civil de Óbidos e é funcionário do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, descreveu onde os meios se instalaram, o que foi feito e as dificuldades nas comunicações.
Ao chegar, Carlos Silva falou, através do telemóvel de serviço, com o comandante dos Bombeiros Voluntários de Pedrógão Grande, Augusto Arnaut, acusado neste processo, referindo já não ter conseguido falar via SIRESP – Sistema Integrado de Redes de Emergência e Segurança de Portugal, tendo sido o comandante de Peniche que “deu diretrizes” para a coluna se deslocar “para Troviscais Fundeiros, onde já havia um grupo [meios de socorro] de Santarém”.
Quanto ao ROB – Rede Operacional de Bombeiros, a testemunha esclareceu que levava o rádio ROB e, dentro da coluna de bombeiros que comandava, este conseguiu funcionar, “mas também apresentou algumas dificuldades”.
Posteriormente, Carlos Silva explicou que “a rede 112 teve também os seus picos de falta, mas foi a única que se conseguiu falar por telefone”.
A pedido do Ministério Público, que elencou discrepâncias entre o depoimento de hoje e o prestado em sede de inquérito, o coletivo de juízes autorizou a audição do depoimento desta testemunha naquela fase.
Carlos Silva justificou a situação com o facto de ter prestado depoimento poucos meses depois do incêndio, em novembro de 2017, estando agora a falar para o Tribunal “quatro anos depois”.
Hoje de manhã, foi ouvida outra testemunha, um bombeiro da corporação de Pombal, prosseguindo o julgamento à tarde.
Em causa neste julgamento estão crimes de homicídio por negligência e ofensa à integridade física por negligência, alguns dos quais graves. No processo, o Ministério Público contabilizou 63 mortos e 44 feridos quiseram procedimento criminal.
Os arguidos são o comandante dos Bombeiros Voluntários de Pedrógão Grande, então responsável pelas operações de socorro, dois funcionários da antiga EDP Distribuição (atual E-REDES) e três da Ascendi (que tem a subconcessão rodoviária Pinhal Interior), e os ex-presidentes da Câmara de Castanheira de Pera e de Pedrógão Grande, Fernando Lopes e Valdemar Alves, respetivamente.
O presidente da Câmara de Figueiró dos Vinhos, Jorge Abreu, também foi acusado, assim como o antigo vice-presidente da Câmara de Pedrógão Grande José Graça e a então responsável pelo Gabinete Florestal deste município, Margarida Gonçalves.
Aos funcionários das empresas, autarcas e ex-autarcas, assim como à responsável pelo Gabinete Técnico Florestal, são atribuídas responsabilidades pela omissão dos “procedimentos elementares necessários à criação/manutenção da faixa de gestão de combustível”, quer na linha de média tensão Lousã-Pedrógão, onde ocorreram duas descargas elétricas que desencadearam os incêndios, quer em estradas, de acordo com o Ministério Público.
Comentários