Tudo começou este domingo, quando se deu um aumento do preço do gás natural liquefeito (GNL), um dos combustíveis mais utilizados nos transportes do país, de 60 tengues por litro (0,12 euros) para o dobro, 120 tengues (0,24 euros).
Os protestos começaram na cidade de Janaozen, no oeste do país, antes de se espalharem para a grande cidade regional de Aktau, nas margens do Mar Cáspio, e depois para Almaty, a capital económica.
O Governo tinha inicialmente tentado acalmar os manifestantes, sem sucesso, ao conceder uma redução no preço do GNL, fixando-o em 50 tenge (0,1 euros) por litro na região de Mangystau, onde se iniciaram os protestos, em comparação com 120 no início do ano.
De nada resolveu. A contestação foi subindo de tom e resultou em confrontos graves entre a polícia e os manifestantes.
"Mais de 200 pessoas foram detidas por violações da ordem pública", disse hoje o Ministério do Interior numa declaração, acrescentando que 95 polícias foram feridos nos protestos, que são raros no país autoritário e rico em petróleo. Os manifestantes bloquearam estradas e trânsito, "perturbando a ordem pública", acrescentou.
A situação descontrolou-se de tal forma que foram invadidos edifícios do governo e do poder local, inclusive a câmara municipal de Almaty, e há manifestantes a tentar entrar na residência presidencial. Milhares de pessoas deslocaram-se às ruas da cidade contra o "aumento injusto", tendo em conta as enormes reservas de energia do país. O Cazaquistão é um grande exportador de petróleo e gás.
Esta tarde, entretanto, foi anunciado que os manifestantes cazaques também o aeroporto da cidade, que cancelou todos os seus voos.
“O serviço de segurança do aeroporto disse-nos: desculpem, o aeroporto foi tomado. Hoje, não haverá voos”, indicou o ‘blogger’ cazaque Alisher Yelikbayev, citado pela agência russa Interfax. Segundo Yelikbayev, as autoridades asseguraram durante todo o dia aos passageiros que o exército estava a defender o aeroporto e os aviões a descolar a horas, mas os militares não enfrentaram os manifestantes e retiraram.
Também esta quarta-feira, correspondentes da AFP em Almaty testemunharam alguns homens de uniforme policial a atirar os seus escudos e capacetes para o chão e abraçar os manifestantes. "Passaram para o nosso lado", gritava uma mulher. Estes agentes recusaram-se a falar com a AFP.
A televisão cazaque noticiou a detenção do diretor de uma fábrica de processamento de gás e de outro funcionário na região de Mangystau, onde se encontra Janaozen. São acusados de terem "aumentado o preço do gás sem razão", o que "levou a protestos maciços em todo o país", de acordo com esta fonte.
Tokayev demite Governo e promete "firmeza máxima"
Após a violência dos protestos de terça-feira à noite, incluindo um dispersado com granadas sonoras e gás lacrimogéneo pela polícia em Almaty, o Presidente do país, Kassym-Jomart Tokayev, demitiu o Governo em exercício.
O vice-primeiro-ministro Alikhan Smailov assumirá o papel de primeiro-ministro em exercício até à formação de um novo gabinete.
O estado de emergência foi também declarado até 19 de Janeiro em várias regiões, incluindo Almaty, onde estará em vigor um recolher obrigatório das 23:00 às 07:00 horas, hora local. Além disso, a Internet e os serviços de mensagens como o Whatsapp, o Signal e o Telegram foram bloqueados nesta ex-república soviética.
Falando em russo numa mensagem à nação transmitida pelo canal de televisão estatal Khabar 24, Kassym-Jomart Tokaïev anunciou também que apresentará em breve novas propostas para transformar politicamente o país sacudido por violentos protestos, referindo que estes causaram “mortos e feridos”, mas sem fornecer números.
“Em breve apresentarei novas propostas para a transformação política do Cazaquistão – mantenho a minha anterior posição, a favor de reformas”, afirmou.
O chefe de Estado denunciou “o alto nível de organização” das pessoas que participaram nos distúrbios que levaram à tomada da câmara municipal em Almaty.
“Chama a atenção o alto grau de organização destes bandidos. Isso é sinal de um plano de ação altamente organizado de conspiradores financeiramente motivados”, sustentou.
“Há mortos e feridos”, assegurou, condenando as “multidões de criminosos” que atacam os militares e os humilham, arrastando-os nus pelas ruas, e denunciando também a violação de mulheres e a pilhagem de lojas.
“A situação é uma ameaça para a segurança de todos os habitantes de Almaty. E não podemos tolerar isso. Além de Almaty, a situação é tensa noutras regiões, razão pela qual impus o estado de emergência”, frisou.
Por isso, indicou, a partir de hoje assumirá a direção do Conselho de Segurança do Cazaquistão, até agora liderado pelo anterior Presidente cazaque, Nursultan Nazarbayev.
“Enquanto Presidente e, a partir de hoje, presidente do Conselho de Segurança, tenciono atuar com a firmeza máxima”, advertiu Tokaïev.
“Trata-se da segurança dos nossos cidadãos, que se dirigem a nós com múltiplos pedidos de que os defendamos a eles e às suas famílias”, argumentou, declarando-se “convicto de que o povo (o) apoiará”.
O Presidente sublinhou que se manterá na capital em qualquer circunstância, junto do seu povo, o que definiu como seu “dever constitucional”.
“Juntos ultrapassaremos este período negro da história do Cazaquistão e dele sairemos fortalecidos”, declarou, agradecendo em seguida aos militares e polícias que enfrentaram os manifestantes e “sofreram baixas” e expressando-lhes as suas condolências.
Embora Tokaïev tenha hoje de manhã aceitado a demissão do Governo e proposto várias medidas para travar as manifestações, em várias cidades cazaques mantiveram-se os protestos, que foram especialmente violentos em Almaty, onde ficaram feridas mais de 500 pessoas, segundo as autoridades locais.
“Lamentavelmente, na madrugada de 5 de janeiro, intensificaram-se as atividades dos grupos extremistas: em consequência das suas ações criminosas, arderam mais de 120 veículos, incluindo 33 da polícia, ambulâncias e dos bombeiros”, indicou o governador de Almaty, Kanat Taymerdenov.
No total, foram pilhadas mais de 120 lojas, 130 cafetarias e restaurantes e cerca de 100 instalações de pequenas e médias empresas.
“Foram agredidos mais de 500 civis, entre os quais 130 mulheres e idosos”, disse Taymerdenov em comunicado, alertando que os ataques de extremistas e radicais não estão a abrandar e apelando para o fim da “escalada da violência”.
Os manifestantes em Almaty, de resto, gritavam pela "renúncia do governo" e "fora o velho", em alusão ao ex-presidente Nursultan Nazarbayev, mentor de Tokayev.
Pequenas marchas e prisões também foram relatadas na capital Nursultan (antiga Astana). A localidade foi rebatizada em homenagem a Nursultan Nazarbayev, que liderou o país desde a independência soviética até 2019, quando nomeou Tokayev como seu sucessor.
Nazarbayev, de 81 anos, mantera até agora forte controlo do país como presidente do conselho de segurança e "Líder da Nação", uma função constitucional que lhe garante privilégios políticos e imunidade na Justiça.
Embora protestos espontâneos e não autorizados sejam ilegais no Cazaquistão, uma ex-república soviética de cariz autoritário, uma lei foi aprovada no ano passado para amenizar algumas restrições à liberdade de reunião.
Potência na região, a Rússia pediu nesta quarta-feira um "diálogo" no Cazaquistão.
"Somos a favor de uma solução pacífica para todos os problemas dentro da estrutura legal e constitucional e por meio do diálogo, e não por meio de tumultos de rua e violação das leis", declarou o Ministério russo dos Negócios Estrangeiros em comunicado.
[Notícia atualizada às 17:40]
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