Manuel Soares de Oliveira recorda-se de aos 12 anos de idade já ler jornais diariamente, mas o interesse pela política parece estar no seu ADN: os dois bisavôs estiveram ligados à política, o pai também. "Penso que o meu interesse pela política vem daqui: amante da liberdade, como Tomás da Fonseca, inimigo da anarquia, como Domingos de Oliveira", diz.
Tomás da Fonseca, republicano, filósofo e escritor, grande opositor do salazarismo e da Igreja, fez parte do governo de António Costa (o outro), era o bisavô materno. Domingos de Oliveira, general, presidente do Conselho de Ministros (primeiro-ministro) na ditadura, conservador e amante da ordem, era o bisavô paterno. O pai, Luís Soares de Oliveira, é embaixador e "sempre conversou sobre política, embora, diplomaticamente, raramente tome posições públicas".
Comparado com países com mercados de maior dimensão, "o marketing político em Portugal é quase inexistente. Normalmente, são as empresas de comunicação que trabalham com os políticos e não há um trabalho de longo prazo", afirma Manuel Soares de Oliveira, que sempre gostou de fazer campanhas políticas. "Há cartazes fabulosos, campanhas fabulosas, como a de Margaret Thatcher. Cá nunca houve grandes oportunidades, o mercado é pequeno - um pouco mais vasto em tempo de autárquicas - e sem grande especialização. Os políticos têm muito a mania de ir buscar marketeers brasileiros - Pedro Santana Lopes é especialista nisso. Depois saem aquelas porcarias do 'Menino Guerreiro', porque trazem realidades que não são nossas.'Ah, funciona na Bahia', pois, mas em Castelo Branco a pessoas riem-se", diz.
"Por cá, António Costa também está na categoria Teflon [o revestimento das panelas a que nada pega]"
Bill Clinton, ex-presidente dos Estados Unidos, tinha a alcunha de Teflon, o revestimento das panelas a que nada se pega. "Por cá, António Costa também está na categoria Teflon", afirma o criativo. "Porque é que Cavaco ganhou tantas vezes as eleições? Penso que uma das necessidades básicas das pessoas é a segurança. Podemos desconfiar que o governo está a atirar tudo para debaixo do tapete, mas não tem problema, desde que não se note e a vida pareça confortável. Costa parece o Rambo: Eu faço, eu aconteço, toda a gente vai ter trabalho... Além disso, há uma massa de 700 ou 800 mil funcionários públicos e mais 3,5 milhões de pensionistas em Portugal, só aqui estão mais de 4 milhões de eleitores. Nas eleições legislativas de 2005, Sócrates conseguiu maioria absoluta com pouco mais de 2,5 milhões de votos, o que significa que quem agradar a este núcleo está safo. Se Passos Coelho não tivesse uma relação tão crispada com a função pública, especialmente nos dois últimos anos, tinha ido aí buscar os votos que lhe faltaram para a maioria", analisa.
"Acredito que as pessoas devem ter a liberdade de não votar, esta é a minha costela liberal"
Embora muitas vezes se esqueça disso, Manuel Soares de Oliveira é licenciado em Ciência Política. Quando se fala de abstenção responde: "Acredito que as pessoas devem ter a liberdade de não votar, esta é a minha costela liberal. No entanto, o mundo mudou e continuamos a usar os mesmos métodos de sempre para votar. Por que motivo não se facilita, dando hipótese de as pessoas votarem num multibanco ou estendendo os prazos de votação? Nessa altura podemos pôr em causa a representatividade da Assembleia da República. Se um partido tem maioria absoluta com 2,5 milhões de votos em cerca de 10 milhões de eleitores, que representatividade é esta? Mas isso levar-nos-ia a outra discussão. Acredito em, primeiro, respeitar o direito das pessoas de não votar, desde que seja consciente. Segundo, que deve haver consequências a partir do momento em que a maioria não vota. Os partidos têm de ser reinventados, mas não há vontade porque estão agarrados ao curral eleitoral".
Manuel viu no Iniciativa Liberal uma oportunidade e um gozo, juntou as doses necessárias de interesse e criatividade e produziu os cartazes do partido. "Este é um trabalho voluntário, é preciso que fique claro, faço-o como cidadão - nem o Iniciativa Liberal tem dinheiro para contratar agências de publicidade. Disse-lhes que podiam fazer uma boa campanha e eles ficaram interessados". Já antes tinha feito outras campanhas, quase sempre para as eleições autárquicas, mas nenhuma criou tanto burburinho.
"Uma das críticas que algumas pessoas fazem é que temos muitos cartazes. É mentira, temos poucos. Mas são bons, as pessoas veem e reparam. Depois, perguntam-se de onde vem o dinheiro, põem-se com teorias da conspiração, quando existe um orçamento transparente - cada vez que fazemos um cartaz destes aumentam os donativos", conta o publicitário. É uma relação causa-efeito, "quanto mais atacados somos, mais pessoas defendem o Iniciativa Liberal e querem participar. Portanto, os ataques são bem-vindos, quanto mais Fernandas Câncio escreverem a falar mal da coisa, melhor. Acho até que devíamos ter colocado uma placa no punho do cartaz a dizer: "Obrigado, Fernanda Câncio, graças a ti..."
"O Iniciativa Liberal é a verdadeira oposição ao governo que temos em Portugal, porque os outros partidos desapareceram em combate"
Fernanda Câncio escreveu a questionar a origem do dinheiro do Iniciativa Liberal e Carlos Guimarães Pinto, líder do partido, "respondeu, e muito bem, ter ficado contente por, finalmente, a jornalista se preocupar com a origem do dinheiro. Arrumou o assunto, mas a verdade é que não devemos pedir às pessoas mais à esquerda que sejam muito coerentes, porque é um conceito que lhes é estranho", graceja Manuel Soares de Oliveira.
"O importante, e este cartaz trouxe-nos isso, até ao nível dos comentários, é que o Iniciativa Liberal é a verdadeira oposição ao governo que temos em Portugal, porque os outros partidos desapareceram em combate, ninguém sabe deles. E, com os poucos recursos que tem e uma linguagem que não agrada a toda a gente em termos de comunicação, é o único partido que as pessoas comentam", assegura.
"As pessoas acham sempre que 'eles', o Estado, é que tem a obrigação de tudo. E tem, o Estado tem muitas obrigações, mas não devemos demitir-nos por isso"
Manuel explica que não conhecia Carlos Guimarães Pinto até iniciar este processo, "mas é uma pessoa com esta visão: as coisas não têm de ser como são. Há coisas engraçadas, e para muitas pessoas alguns conceitos, como o liberalismo, são esotéricos. Vivi uns anos em Inglaterra e as casas dos ingleses são das mais desarrumadas que conheci, mas as ruas são imaculadas. Em Portugal as casas são super-limpas e organizadas, mas com as ruas, que são públicas, ninguém se preocupa. 'Eles' que arranjem, 'eles' que limpem, 'eles' que despejem o lixo. Não há aquela coisa do norte da Europa que é o associativismo, a comunidade. Se eu limpar a entrada da minha casa e os meus vizinhos fizerem o mesmo, a rua vai estar limpa e todos beneficiamos. As pessoas acham sempre que 'eles', o Estado, é que tem a obrigação de tudo. E tem, o Estado tem muitas obrigações, mas não devemos demitir-nos por isso", considera.
De resto, "todo o efeito mediático tem sido fantástico", assegura, "e não é só pela criatividade da comunicação, é porque são ideias novas, que vêm mexer com algumas certezas que as pessoas sempre tiveram: há outro caminho longe do totalitarismo da esquerda".
Isto, no entanto, não quer dizer que não existam críticas. Para Manuel Soares de Oliveira, a mais desagradável é "a acusação de que o Iniciativa Liberal é um partido de extrema-direita". Para o criativo, isto "revela um profundo desconhecimento sobre a ideologia liberal e o liberalismo, que defende acima de tudo a liberdade individual. O liberalismo tem tanto a ver com o fascismo, como a democracia tem a ver com o comunismo, ou seja, nada", esclarece.
Manuel é o criativo de todos os cartazes? "De todos, todos, não. Em alguns casos a ideia veio de lá - estão todo o dia a pensar nisso -, mas de alguns. É um trabalho de equipa, meu e do presidente do partido, que tem a vantagem de ser uma pessoa muito criativa".
É que nisto da publicidade, "a agência ou o criativo vai tão longe quanto o anunciante quiser e permitir. Há agências muito criativas, mas os anunciantes preferem coisas cinzentas. Trabalhei com partidos como o PS ou o PSD, sobretudo em autárquicas, e tenho orgulho em alguns trabalhos que fiz - numas ganhámos, noutras perdemos", lembra. "Esta não é a minha área de expertise. Aliás, como disse, penso que em Portugal não há ninguém que trabalhe só partidos, especialmente na área da publicidade. Mas é um desafio muito grande".
Existem hoje em Portugal, e para já, 25 partidos políticos registados no Tribunal Constitucional, bastante mais do que há meia dúzia de anos. Mais um motivo para "a comunicação de um partido como o Iniciativa Liberal, que ainda tem pouco tempo, ser diferenciadora", diz Manuel Soares de Oliveira. Se alguns fazem boas campanhas, outros nem tanto. "Os grandes fazem todos a mesma coisa: foto do líder e uma frase, quase sempre oca, do género 'Por Portugal' ou 'Nós Somos as Pessoas'. Embora o Bloco de Esquerda, por exemplo, tenha feito alguns bons cartazes na campanha de Marisa Matias, que foi bem conseguida".
"A discussão política em Portugal é de um nível muito raso, sem a mínima substância, mais ainda nas redes sociais, onde pessoas que não leem nada escrevem muito"
De resto, há erros que um político/candidato não pode cometer, sobretudo em altura de eleições: "Uma frase fora de contexto pode assassinar uma campanha. As pessoas raramente leem entrevistas completas, limitam-se às parangonas. A discussão política em Portugal é de um nível muito raso, sem a mínima substância, mais ainda nas redes sociais, onde pessoas que não leem nada escrevem muito", afirma.
No caso do Iniciativa Liberal, ouro sobre azul: "Havia um problema de comunicação para resolver - o que é ser liberal - e, número dois, quem está à frente do partido percebeu que era preciso fazer diferente. Isto, para um criativo, é um desafio". E foi.
A homenagem ao barão de Mosca. Talvez
Quando se faz algo diferente, a críticas chegam mais depressa. Manuel Soares de Oliveira sabe disso melhor que ninguém: "Alguém que abre uma agência de publicidade chamada Mosca, sabe que vai ser criticado - é tão fácil fazer piadas com isso". No entanto, o interessante é que ninguém esquece o nome e todos "percebem que se trata de uma agência engraçada, atrevida", diz.
Esta não é a primeira agência do publicitário. Antes, Manuel teve a Uzina, que ainda hoje existe, criada por criativos de diversas multinacionais - ele vinha da Young & Rubicam. "A Uzina era um projeto meu e de dois sócios: abrimos a agência, fui diretor-geral, cresceu, mudámos de Cascais para o Príncipe Real. No início éramos três ou quatro gatos pingados, mais tarde, quando já era grande, surgiu a oportunidade e vendi a minha parte", conta.
Só depois veio a Mosca, que vai fazer seis anos em outubro e acaba de se mudar de Alcântara para a Av. D. Carlos I, em Santos. "Sempre tive a ideia de fazer a Mosca", confessa. Porquê Mosca? Quisemos saber. E Manuel explica, tintim por tintim.
"O nome vem de uma personagem que era o braço direito do rei D. José, Marcos Pedro d'Alcântara e Mosca de seu nome. O rei D. José era um devasso, amante da marquesa de Távora, 'a Marquesinha', que deu no atentado que deu. Era um salafrário. Marcos Pedro d'Alcântara e Mosca tratava da imagem de D. José, que toda a gente acreditava ser beato, e, por isso, é considerado o primeiro publicitário português. O rei, agradecido por isso, deu-lhe o título de barão de Mosca - que mais tarde caiu em desgraça ao ser apanhado com a amante de D. José. É uma história que quase ninguém conhece", descreve Manuel Soares de Oliveira.
O barão de Mosca tem brasão de armas e quadro pintado a óleo, como manda o figurino. A história continua, cheia de explicações em "linguagem heráldica": o campo de prata, as três moscas, a coroa, a corneta e a cornucópia, porque ele achava que ia ganhar muito dinheiro. E mote da família: "Pecunium Mihi Exhibit".
Na verdade, quase ninguém conhece a história porque ela não existe. Ou por outra, existir, existe, mas é completamente inventada. Apesar disso, a agência recebeu até um email de alguém com apelido Mosca a perguntar se ainda seria parente. Há, em toda a narrativa, maroscas várias, que vão da história de D. José [O Reformador] ao mote da família, mas as pessoas deixam-se embrenhar. Se olharmos bem de perto - ou fizermos um zoom in - ficamos a saber quem é o verdadeiro barão do retrato a óleo. Mas há mais: o quadro a óleo é assinado pelo pintor Giacomo Truffatore, palavra que em italiano significa trapaceiro, e foi restaurado pela Academia de Artes de Bugia, que quer dizer mentira.
Manuel Soares de Oliveira cansou-se da resposta desengraçada do "chama-se Mosca porque é divertido, fora do comum", e criou uma inventona. E a história é de tal forma bem contada, que chegou a ter uma página na Wikipédia, até alguém descobrir que tudo não passava de ficção.
"Gostamos de nos divertir, a vida já é chata quanto baste, o mundo não precisava de mais um chato"
A graça está nisto tudo, num negócio onde os pormenores fazem a diferença. Apesar disso, "a maioria das agências não tem cuidado com a sua apresentação. Se visitar sete ou oito nada as diferencia, não têm um grande posicionamento: nos sites dizem que são criativos, mas depois têm as fotografias do diretor ou da equipa, são todas iguais. Curiosamente, as agências pregam isso aos clientes, mas na sua comunicação interna são muito conservadoras, não fazem branding. Penso que, em geral, as pessoas têm medo das críticas. Quando, é óbvio, também nos podem contactar a dizer é fantástico, como já aconteceu. Quando uma pessoa visita uma agência de publicidade não está à espera de encontrar um escritório igual aos outros, está à espera de qualquer coisa especial, diversa. E depois há isto: gostamos de nos divertir, a vida já é chata quanto baste, o mundo não precisava de mais um chato", discorre Manuel Soares de Oliveira.
O maior desafio: saber o que dizer
Quando tudo começou, há uns bons trinta anos, nada era como hoje. "O mercado atual não tem nada a ver. Claro que há coisas que se mantêm, mas era norma haver agências com 100 ou 120 pessoas, a McCann devia ter 150 a 200. Lembro-me que éramos três ou quatro miúdos atrevidos, e fiz um anúncio de uma página num anuário da Meios & Publicidade e da Briefing a dizer: 'Tudo o que uma grande agência tem, menos a comissão para o americano'. A pergunta era: está a pagar pelo preço da comunicação ou está a pagar comissões para Nova Iorque? Venha trabalhar connosco, somos portugueses, mas somos bons. Isto, numa altura em que ser português não era uma coisa muito bem vista, não havia agências portuguesas muito criativas. Decidimos ir à guerra com as multinacionais, que começaram a instalar-se em força nos anos 80/90, e correu bem".
No tempo de que fala Manuel Soares de Oliveira, havia a Novo Design, a Cinevoz e outras pequenas agências portuguesas. Depois, havia Edson Athayde, que, após levar António Guterres à vitória, abriu a agência Edson. "Mas o Edson é o Edson, uma figura com quem temos muito a aprender, porque é bom em muita coisa", diz Manuel. "Havia, talvez, o fim de um período, e a Uzina esteve entre as primeiras a entrar num ciclo de desempoeirados, a achar que podia fazer tão bem ou melhor do que as grandes empresas, talvez por fazer parte da primeira geração de agências constituída por pessoas vindas de multinacionais".
Mas não foi apenas a dimensão do mercado que mudou, foram também os meios. "Quando fiz a Mosca Digital dizia que era uma agência do pós-digital, de pessoas que já eram nativas do digital - que já enjoava -, gente que nasceu com iPads no berço. Eu sou um imigrante, não cresci com o digital, mas interessei-me desde o início. Adoro o digital, que é o sonho de qualquer criativo, porque permite fazer imensa coisa a baixo custo. No digital, as marcas têm tendência para ser mais relaxadas e criativas, ao passo que em televisão, por exemplo, são mais sérias. Quando pensam em Facebook e nas redes sociais, fazem coisas completamente diferentes e fora do baralho".
E Manuel dá o exemplo de um cliente da Mosca, o Café Império: "Com uma fotografia do bife e do molho, andamos há cinco anos a fazer as redes sociais da empresa, com um sucesso tremendo. É rápido a responder e é atrevido".
"O discurso politicamente correto seria responder que o digital veio resolver os problemas todos. Mas é treta"
Então e os outdoors? "O discurso politicamente correto seria responder que o digital veio resolver os problemas todos. Mas é treta. O digital é um mundo, uma selva, anda por lá tudo e muitas vezes nem sabemos a fazer o quê. As televisões, por seu lado, têm mais de cinquenta canais e as gerações mais novas veem pouco, gastam tempo de ecrã de outras maneiras, com a Netflix ou indo diretamente ao que lhes interessa. Mas o discurso moderno não é dizer isto. Sobre os outdoors, o discurso é que já ninguém lhes liga. Mas é mentira. No mundo do zapping em que vivemos, os cartazes são das poucas coisas que temos mesmo de ver, e com poucos outdoors consegue-se um efeito ótimo", garante Manuel Soares de Oliveira.
Mas há mais: "Hoje o objetivo dos outdoors também é viver do digital, porque as pessoas andam na rua a fotografar tudo, e os publicitários têm de pensar nisso. É o outdoor 2.0, o mesmo de sempre, a mesma estrutura, não apenas para quem vê e fotografa, mas também para os que vão ver a partilha. A Mosca tem feito vários outdoors que funcionam para ser fotografados, é esse o intuito. E, sendo um outdoor, tem mais credibilidade, é uma peça real".
O mesmo acontece com filmes para televisão. Uma das campanhas mais recentes, e ainda no ar, para o medicamento Prolif, também tinha isso em mente. "Por norma seria uma campanha cinzenta, mas, afinal..."
Se o 5G vai mudar o mercado da publicidade, isso "ninguém sabe, são só suposições - até porque ainda não utilizamos todo o potencial disponível. Se for tudo o que se fala, vai ser uma pequena revolução. Quem é que em 1980 previa a Internet? Nem os filmes de ficção. O Facebook ainda não tem vinte anos, e quando a rádio apareceu reinou 30 ou 40 anos até aparecer a televisão, que dominou outro tanto tempo. Agora é a vez das redes sociais. A verdade é que a morte da televisão anda a ser decretada há vinte anos por todo e qualquer conferencista que queira parecer moderno. Mas não morreu. A prova é que a Procter & Gamble e a Sonae, que não são conhecidos por ser parvos ou deitar dinheiro fora, continuam a gastar dinheiro em televisão, o que é sinal de que funciona melhor do que esses pseudo-moderistas apregoam. Mesmo no Brasil, onde é tudo móderno, tudo digitau, e quem não invéstchiu mórreu, 70% do budget continua a ir para a Tv Globo. Mas Portugal, que não quer parecer um país é terceiro mundo, diz que é mau. Só que as coisas são como são".
"A grande guerra em termos de comunicação não passa pelos meios. A questão que se coloca é: sei exatamente com quem quero falar, mas para dizer o quê?"
Mas, claro, "o marketing digital tem uma força enorme, exatamente por causa da segmentação, de poder de falar com as pessoas diretamente, conhecendo os seus hábitos, indo direito ao seu público alvo. A grande guerra em termos de comunicação não passa pelos meios, passa pelos data. A informação é o futuro da comunicação. A questão que se coloca é: sei exatamente com quem quero falar, mas para dizer o quê? Não adianta saber chegar às pessoas se não tivermos algo para lhes dizer. Há novas formas de comunicar, mas o que continua a ser importante é a mensagem. Podemos ser mais cirúrgicos, mas os cartazes continuam a funcionar, os muppis, que são dos meios mais caros, continuam a estar no topo das preferências dos anunciantes.
E assim a conversa regressa ao Iniciativa Liberal e aos seus controversos cartazes - um chegou a ter de ser retirado do IC19, em Sintra, por altura das eleições europeias, a mando do tribunal. "Contribuintes de todo o país, uni-vos", com um punho a sair do cartaz. Este foi o primeiro outdoor do partido. "Não é um outdoor imediato" - o tal com fotografia do candidato e a frase feita - "é algo que também obriga as pessoas a pensar. Uma das coisas giras na comunicação do Iniciativa Liberal é que respeita a inteligência de quem vê as suas peças. Há outdoors, tanto políticos como comerciais, que são tão básicos que, de certa maneira, são um insulto. São feitos por alguém que não acredita na inteligência do próximo. Estes podem não são algo para a pessoa passar e desatar a rir, mas obrigam a refletir. Portugal é o único país do mundo que não tem partidos de direita: o CDS é centro democrático - Freitas do Amaral dizia que era centro -, o PSD tem uma crise de identidade. Quanto ao PS, não convém falar de ideologia, porque isso baralha-os", afirma o criativo.
Manuel Soares de Oliveira é mordaz. "Mas há muito receio. Estou na campanha do Iniciativa Liberal desde o princípio e nunca o anunciei, porque há um certo receio de que, sendo da oposição e atrevido, possa ter consequências. Tenho a vantagem de a minha agência não trabalhar com o Estado, uma coisa que ficou decidida desde o início".
"Há este medo, uma coisa muito salazarenta, o respeitinho, o medo da autoridade. Quando uma pessoa está à frente de uma empresa e decide voluntariamente apoiar a oposição, recebe recados dos amigos"
Quisemos perceber melhor. "É muito complicado, uma perda de tempo, horas e horas em reuniões inúteis, não vale a pena. Só tenho o meu tempo e tenho de trabalhar com clientes que sejam bons e queiram fazer coisas giras. Se um dia me vierem bater à porta, o que eu duvido... Mas há este medo, uma coisa muito salazarenta, o respeitinho, o medo da autoridade. Por isso, quando uma pessoa está à frente de uma empresa e decide voluntariamente apoiar a oposição recebe recados dos amigos, das pessoas que lhe estão próximas".
Manuel não está imune, mas diz que "não podemos viver com medo, o medo não pode ser a nossa bússola, temos de fazer aquilo em que acreditamos. Se, de repente, há um partido que resolve fazer coisas com mensagens interessantes, ousadas, diferentes e há oportunidade de poder participar nisso, vamos deixar de o fazer porque temos medo? Não. De resto, penso que há até bastante civismo em Portugal", esclarece.
Esta é a altura para se ser criativo. Manuel diz que "a crise trouxe muita insegurança, senti bastante isso nos anunciantes". E recorda um anúncio famoso da IBM, dos anos 70/80, dirigido, sobretudo, a chefes de compra: "Nunca ninguém foi despedido por recomendar um IBM". Duas semanas depois, a Apple respondia: "Nunca ninguém foi promovido por comprar um IBM". "Acho que passámos uma fase IBM, ou seja, fazer só umas coisas certinhas, não muito criticáveis, para não pôr o emprego em risco. Depois, uma campanha também depende de quem a aprova. Mas penso que, por influência da crise, a publicidade tornou-se mais cinzenta. Agora as marcas estão a arriscar mais", diz.
Na comunicação, ao contrário da política, já tudo foi inventado. "Tudo o que havia para inventar em comunicação, a Igreja Católica inventou há 2000 anos: o logótipo, que é a cruz, a exposição em outdoor, que é o alto da torre, a identidade corporativa, a batina, e a mensagem, a homilia. Já foi tudo inventado pela Santa Madre Igreja, só andamos a dar novos nomes ao que sempre existiu. É um hype, vende-se melhor. Como se costuma dizer: o melhor negócio do mundo é comprar um espanhol pelo que ele vale e vendê-lo pelo que ele acha que vale. Os influencers são um bocadinho assim, acham que valem muito mais do que valem, embora haja os que têm seguidores ferrenhos, muito no YouTube, o Instagram é mais feminino. O que é que partilhamos na Internet? Filmes e JPEG. Um JPEG [Joint Photographic Experts Group] não é mais do que um anúncio estático, estamos a partilhar exatamente as mesmas coisas que antes víamos na televisão ou na imprensa", considera.
Manuel Soares de Oliveira continua a acreditar que "a publicidade tem o dever, a obrigação de dar a quem a vê algo em troca, nem que seja boa disposição, só pelo facto de a 'interromper'. Como iremos falar com as pessoas daqui a 20 anos ninguém sabe, o mundo está cada vez mais polarizado: antigamente falava-se de futebol com alguma graça, hoje fala-se com uma agressividade que quase chega a vias de facto. O que era uma brincadeira passou a ser uma ofensa. A política hoje está ao nível da clubite. Demorou anos até algumas pessoas considerarem Sócrates culpado, havia os que o defendiam fervorosamente, mesmo quando já ninguém tinha dúvidas sobre ele não ser propriamente sério. Como outros defenderam Cavaco, apenas por serem do partido, sem qualquer outro critério. Como é que esta evolução vai fazer-se, quando os lados opostos não se querem ouvir. Cada vez mais vamos ter de ir buscar mensagens específicas para cada grupo, sabendo que não se ouvem uns aos outros. Há muita incompreensão nestas discussões".
Comunicar algo em que acreditamos não é fundamental, mas facilita. "Também já trabalhei com partidos à esquerda", confessa o publicitário. "Em Portugal é fácil simpatizar com os candidatos quando os conhecemos e eu sou uma pessoa que acredita na bondade humana, não acho que haja pessoas naturalmente más, tirando Pedro Silva Pereira. Se o Sporting amanhã me pedisse para fazer uma campanha, era capaz aceitar, e muitas vezes o desafio é até mais interessante quando se trata de algo em que não acreditamos. Trabalhar uma cadeia de fast-food, de que não sou fã, leva-me a tentar perceber como é que essa comida dá prazer a alguém. Em tempos trabalhei uma marca de automóveis - adoro automóveis e motores - que fazia uns charutos (hoje já fazem carros bons), e a minha preocupação foi passar uma tarde com os vendedores a tentar perceber o que as pessoas que entravam no stand viam e pensavam, tentar compreender. Hoje já não acontece, mas havia agências americanas e inglesas que recusavam trabalhar contas de cigarros, por exemplo", recorda.
"Trabalhar marcas de que gostamos também pode ser perigoso", admite, "porque o nosso entusiasmo nem sempre é partilhado. Estamos um degrau à frente e não percebemos como é que os outros podem começar a gostar. Em comunicação política acontece muito isso, há pessoas que pensam de outra maneira e não conseguem ver o mesmo que nós. Isto é complicado. Aí, os data, as redes sociais, é fundamental, porque permite identificar - como aconteceu nas campanhas do Brexit e de Trump - onde estão as pessoas que pensam de determinada maneira e colocar mensagens muito direcionadas. Ao contrário dos teóricos da conspiração, não penso que a publicidade faça alguém mudar de ideias, o que vai fazer é solidificar a crença que as pessoas já têm. Hoje em dia o problema é que as pessoas que me seguem pensam como eu, tudo o que for diferente é contra mim, mesmo que seja um sportinguista a dizer uma verdade, estou cego, porque acabei de ler em várias fontes - que, por acaso, são todas a mesma - o contrário. Se sou um tipo de Oklahoma e penso que os hispânicos são uns tipos esquisitos, os dos turbantes pior ainda e culpo os chineses pelo consumo desenfreado, e de repente sou bombardeado por quatro ou cinco filmes que solidificam esta opinião, a seguir saio à rua de bandeirinha e chapéu do Trump. O pior é que tudo isto funciona em circuito fechado".
Manuel Soares de Oliveira tem um fraco por marcas desafiadoras, "os underdogs. Gosto de marcas que querem arriscar e preferia trabalhar a Pepsi à Coca-cola, a Kia à Volkswagen, o Iniciativa Liberal ao PS ou ao PSD", assegura.
Mas não é que já não tenha tido ideias: "Outro dia estava a pensar no Rui Rio, gosto de pensar nestas coisas. As pessoas acham que ele é chato, embora eu acredite que ele deve ser mais divertido do que parece. Então, porque não pegar nessa característica e fazer dela o mote da campanha? 'Sou chato, mas Portugal precisa de políticas sérias', 'O outro é mais simpático, mas eu tenho políticas sérias', qualquer coisa deste género, porque sério não é uma qualidade que associemos a António Costa. Se perguntarmos a dez pessoas 'acha que António Costa é uma pessoa séria?', tenho a certeza de que nove vão responder 'Errrrr, bem, talvez'. Será um socialista, o último dos socráticos, que vai dizer sim - o Pedro Silva Pereira. Costa tem outras qualidades. Rio podia fazer disso o seu ponto forte". Porque motivo não propões esta campanha a Rui Rio e ao PSD? "Bom, um homem tem de ser fiel a alguma coisa", diz entre gargalhadas.
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