Como se resumem mais de três horas de leitura da decisão instrutória da Operação Marquês?
Antes de mais, é importante referir que o dia de hoje não é (nunca foi, nem poderia ser) um ponto final.
Nos últimos dias, tive necessidade de salientar algumas vezes que hoje ficaríamos (apenas) a saber quem iria a julgamento no âmbito da Operação Marquês e por que crimes. Não é de estranhar que seis anos depois da detenção de um ex-primeiro-ministro os portugueses tivessem a expectativa de que o caso estivesse já numa outra fase, mais conclusiva. Mas não é o caso.
Conhecida a decisão do juiz Ivo Rosa ficamos a saber que:
- Dos 189 crimes que constavam na acusação, apenas 17 seguem para julgamento.
- Apenas cinco dos 28 arguidos seguem para julgamento:
- José Sócrates e Carlos Santos Silva vão ser julgados por três crimes branqueamento capitais e três de falsificação de documentos.
- Ricardo Salgado será julgado por três crimes de abuso de confiança.
- Armando Vara será julgado por um crime de branqueamento de capitais
- João Perna será julgado num processo por posse de arma
- Todos os crimes de corrupção constantes da acusação ficaram pelo caminho. Todos. Prescreveram.
O Ministério Público vai recorrer da decisão do juiz Ivo Rosa, que acabou por deixar cair a maior parte dos arguidos e dos crimes. Esse será o próximo capítulo.
Mas há mais para ler nas entrelinhas desta sexta-feira de olhos postos no Campus de Justiça, numa tarde em que ninguém ganhou.
O juiz Ivo Rosa arrasou com o caso montado pelo procurador Rosário Teixeira. Falou em "especulação", "fantasia" e "incoerência", de acusações "inócuas" e "incongruentes", de "pouco rigor e consistência". A despronunciação dos arguidos e dos crimes foi muitas vezes acompanhada de uma crítica feroz ao Ministério Público.
Finda a leitura, há quem questione a postura do juiz e, por outro lado, quem coloque em causa a competência do Ministério Público — nomeadamente a opção de montar um mega-processo, praticamente ingerível, que acabou por "parir um rato", pelo menos na fase instrutória.
Para José Sócrates esta também não foi uma "saída limpa". Apesar de o juiz ter considerado que não havia indícios de corrupção nos casos do grupo Lena, do BES ou de Vale de Lobo, Ivo Rosa só não pronunciou o ex-primeiro-ministro por corrupção por ter recebido mais de um milhão de euros do seu amigo Carlos Santos Silva porque o crime prescreveu. A prescrição não o inocenta, é processual.
Um Ministério Público "incompetente" a produzir acusação, um ex-primeiro-ministro que só não responde por corrupção porque o crime prescreveu.
Quem fica realmente lesado? A Justiça e os portugueses.
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