Foi um processo morosamente histórico por duas razões: tratou-se de uma das cimeiras europeias mais longas e também porque se trata de um plano com uma envergadura continental. Mas não seria de esperar outra coisa quando se fala de um acordo para retoma da economia comunitária pós-crise da covid-19, num pacote total de 1,82 biliões de euros.
Foram mais de 90 horas de negociações e por pouco não se chegou ao recorde do tempo despendido em reuniões do Conselho Europeu, alcançado em Nice, em 2000. Para superar a referida cimeira, na qual se decidiu o alargamento da UE a leste, os líderes teriam de ter estado a negociar até às 05:05 (hora de Lisboa, mais uma em Bruxelas) — o que não se chegou a verificar.
Por outras palavras, o encontro começou na sexta-feira e prolongou-se até à madrugada de hoje, com os quatro cantos do globo à espreita pelo resultado final. A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, reforçava esta ideia: "o mundo estava a observar" este encontro dos líderes europeus.
O mundo espreitava, o mundo ansiava, o mundo também queria ir dormir. Mas precisava de uma resolução antes de tudo isso. E a notícia do "Deal!" ["Acordo!"] surgiu pelas 04:31 — e o recorde de Nice ficou a mais ou menos 30 minutos de distância.
Nesta reunião histórica, foi então aprovado um Quadro Financeiro Plurianual (QFP) para 2021-2027 de 1,074 biliões de euros e um Fundo de Recuperação europeu de 750 mil milhões, com pouco mais de metade em subvenções. Para Portugal, vão chegar 45,1 mil milhões de euros. As contas são as seguintes:
- 15,3 mil milhões de euros em transferências a fundo perdido exatamente no âmbito desse programa para a recuperação;
- 29,8 mil milhões de euros em subsídios do orçamento da UE a longo prazo 2021-2027;
- 10,8 mil milhões de euros em empréstimos, ainda no âmbito do Fundo de Recuperação (embora não entrem nestas contas).
Na ótica do presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, o pacote aprovado é "um acordo forte". Mais: é da opinião de que o acordo mostra que a União Europeia está unida. "Acredito que este acordo vai ser visto como um momento charneira na história da Europa, lançando-nos para o futuro", disse.
Quem parece estar de acordo com esta visão é António Costa. O primeiro-ministro destacou que "o passo mais importante" é os 27 terem assumido, "pela primeira vez e em conjunto, esta emissão de dívida para financiar um programa de recuperação e o programa de recuperação ter uma dimensão suficientemente robusta para responder àquelas que são as atuais estimativas sobre o impacto da crise económica na Europa".
Todavia, já de olhos postos para o país e para o que se passa cá dentro, o líder do executivo já frisou para onde vai uma parcela dos fundos, nomeadamente 300 milhões de euros.
"A crise que estamos a atravessar tem atingido particularmente o turismo, o que tem significado um sacrifício muito particular para a região do Algarve, sendo aliás aquela onde o desemprego tem subido de forma mais dramática, e é uma região que, sendo de transição, já há vários anos que tem uma dotação de fundos inferior a outras regiões", justificou António Costa.
Quem não parece muito contente com a boa-nova parece ser o presidente da Associação de Hotéis e Empreendimentos Turísticos do Algarve (AHETA), que considera o valor em causa é "manifestamente insuficiente".
Todavia, o Presidente da República deixa a lembrança: o "acordo é excecional", mas o dinheiro não é do Governo. Portanto, é preciso discutir, averiguar e debater. É muito dinheiro para se ser irresponsável. E é uma oportunidade única que não pode ser perdida.
"Espero que haja a noção de que isto é irrepetível: não volta a haver nos próximos longuíssimos anos uma oportunidade como esta, portanto não pode ser perdida", reforçou Marcelo Rebelo de Sousa, antes de alertar para outra realidade: a de que é preciso escolher corretamente para onde vai o dinheiro.
António Costa tinha pedido uma resposta robusta à União Europeia para fazer face à crise provocada pela pandemia. Foram muitas horas de negociações — com sobressaltos "frugais" pelo meio — para se chegar aos 15,3 mil milhões de euros. Mas a bazuca pedida pelo primeiro-ministro está aí. Contudo, agora, o próximo passo é do Governo. E o país precisa que seja um com o pé direito.
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