“Nenhum país está preparado para um evento da magnitude de Pedrógão Grande a partir de determinada altura. (…) Temos obrigação de nos preparar o melhor possível”, disse António Salgueiro, no Tribunal Judicial de Leiria, onde hoje prosseguiu o julgamento para apurar eventuais responsabilidades criminais dos incêndios de Pedrógão Grande.
Nestes incêndios, o Ministério Público (MP) contabilizou 63 mortos e 44 feridos quiseram procedimento criminal.
A CTI foi criada pela Assembleia da República na sequência dos incêndios florestais ocorridos nos concelhos de Pedrógão Grande, Castanheira de Pera, Ansião, Alvaiázere, Figueiró dos Vinhos, Arganil, Góis, Penela, Pampilhosa da Serra, Oleiros e Sertã de 17 a 24 de junho de 2017. A sua missão foi fazer uma avaliação independente sobre estes fogos.
António Salgueiro, que vai continuar o depoimento à tarde, salientou que “salta à vista a intensidade e extrema violência do fogo” de Pedrógão Grande, destacando, também, a direção “extremamente errática” que este tomou.
A testemunha explicou que são “os combustíveis finos superficiais [mato] que determinam mais o comportamento do fogo”, sustentando que “são eles que permitem a propagação linear do fogo”.
Sobre a utilidade das faixas de gestão de combustível, o engenheiro florestal referiu que “as faixas de contenção facilitam a supressão” do fogo, mas não o autoextinguem.
“Efetivamente, nalgumas situações, mesmo com as faixas de contenção, pode não ser suficiente”, declarou, admitindo: “Mesmo com limpeza, não sei se existiria hipótese” de evitar as consequências dos fogos, prosseguiu, assinalando, ainda, que o ‘downburst’, vento de grande intensidade que se move verticalmente em direção ao solo e após o atingir sopra de forma radial em todas as direções, “provocou milhares de projeções”.
António Salgueiro frisou, contudo, que “o que diferencia é a gestão ou a ausência de gestão”, observando que “uma área não gerida é sempre mais propícia à propagação do fogo”.
No depoimento, a testemunha considerou que em Pedrógão Grande “foi ultrapassada a capacidade de extinção” dos incêndios e, depois, a de deslocação de pessoas, pelo que o que se poderia fazer “era dizer às pessoas para ficarem em casa”, mas reconheceu que “deixou de haver telemóveis, internet”.
Questionado se este fogo poderia ter sido atacado de forma mais adequada, António Salgueiro respondeu que não sabia, pois “não estava no local no ataque inicial”, para acrescentar que “depende de muitos fatores”.
O engenheiro disse ainda que eram necessários técnicos especializados e uma equipa multidisciplinar, incluindo um piroclimatologista, nos trabalhos de combate aos incêndios.
À pergunta se a sede da Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil não poderia funcionar como um centro de comando à distância para poder ajudar o comandante das operações no terreno, neste caso o comandante dos Bombeiros Voluntários de Pedrógão Grande, Augusto Arnaut, arguido no processo, e proporcionar competências especializadas, técnicas e interdisciplinares, a testemunha respondeu que “pode, deve e pretende”.
Quanto à eventual existência desse apoio às decisões tomadas pelo comandante, António Salgueiro afirmou desconhecer se houve.
No depoimento, o engenheiro foi confrontado recorrentemente com o relatório final da CTI, tendo deixado expresso que “não há nenhuma parte” do documento que “tenha sido feito por uma única pessoa”, além de que a comissão não procedeu a qualquer averiguação da causa do incêndio.
O relatório conclui que o principal problema da gestão de combustível nas áreas devastadas por estes incêndios foi o incumprimento da legislação para as faixas de rede secundária.
A rede secundária inclui faixas de 50 metros em redor das edificações, faixas de 10 metros para cada lado das estradas e de 100 metros à volta dos aglomerados populacionais. Já a rede primária “foi executada na totalidade apenas em três municípios” dos 11 abrangidos pelo relatório.
Além de Augusto Arnaut, estão a ser julgados por crimes de homicídio por negligência e ofensa à integridade física por negligência, alguns graves, mais 10 pessoas, incluindo dois funcionários da EDP, três elementos da Ascendi e o ex-presidente da Câmara de Castanheira de Pera Fernando Lopes.
Os presidentes das Câmaras de Figueiró dos Vinhos e Pedrógão Grande, Jorge Abreu e Valdemar Alves, respetivamente, também foram acusados.
O antigo vice-presidente da Câmara de Pedrógão Grande José Graça e a então responsável pelo Gabinete Florestal deste município, Margarida Gonçalves, estão igualmente entre os arguidos.
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