“Não tem sentido nenhum, do ponto de vista institucional, constitucional. O Conselho não é o órgão para estar agora a decidir como é que se vai aplicar o dinheiro que a União Europeia tem para os seus diferentes programas, não tem sentido absolutamente nenhum”, disse Rangel, que falava num debate organizado pela Fundação Konrad Adenauer.
Francisco Assis, ex-eurodeputado do PS e atual presidente do Conselho Económico e Social, que também participou no debate, pronunciou-se igualmente contra a entrega da monitorização ao Conselho, que reúne os chefes de Estado e de Governo dos 27, advertindo que isso pode criar “uma situação muito, muito, complexa” e defendendo igualmente “uma monitorização com a máxima objetividade possível”.
Rangel e Assis falavam sobre uma das propostas surgidas na Cimeira europeia em curso, para ir ao encontro das posições dos ‘frugais’, que querem ter um controlo sobre como cada um dos países vai gastar as verbas do fundo, para a criação de um “mecanismo travão” pelo qual qualquer Estado-membro podia travar o pagamento a outro em relação ao qual tenha dúvidas sobre a concretização de reformas, suscitando a sua objeção no Conselho.
Para Paulo Rangel, um dos aspetos “mais preocupantes” das negociações em curso em Bruxelas é que “a boa utilização não está a ser entregue à Comissão Europeia, está a ser entregue ao Conselho”, “um ponto muito perigoso” quando o que está em causa é “dinheiro europeu, contraído com base em obrigações europeias”.
Rangel salientou que não só considera “muito importante” haver regras para a utilização dos fundos, como “os cidadãos não querem que os fundos sejam atribuídos sem regras”, por estarem “fartos de dinheiro mal gasto”, mas alertou que, naqueles moldes, corre-se “o grande risco” de os 27 estarem “a enfraquecer a Comissão Europeia”.
“Tem que haver regras porque estamos a avançar. Agora, nessas regras, na definição dessas regras, todos têm que participar como é evidente, não vão ser agora os holandeses e os demais ‘frugais’ a determinar regras e impô-las aos demais países europeus”, defendeu Francisco Assis.
Tanto Rangel como Assis advertiram por outro lado contra o uso da palavra “condicionalidade”, que evoca os planos de intervenção da ‘troika’ após a crise de 2008.
“É uma palavra tóxica porque ela remete para a ideia da ‘troika’ e na ‘troika’ houve muitos erros”, disse, apontando que “tanto na Irlanda, como em Portugal, como na Grécia, como em Chipre”, a ‘troika’ “não conhecia as economias respetivas e aplicou receitas que em parte estavam certas em parte estavam erradas”.
“A palavra tem que ser removida do léxico político europeu, porque ela está associada quer ao período da ‘troika’, quer à ideia de imposição quase arbitrária de regras erradas a países que estavam confrontados com crises muito profundas”, concordou Francisco Assis.
O socialista salientou que “foram concebidas e aplicadas políticas económicas ou até imposições orçamentais nalguns momentos que não tinham em conta as características específicas de cada uma das economias” e que os próprios defensores dos planos da ‘troika’ “acabaram por reconhecer” que algumas dessas medidas “tiveram um efeito de promoção da recessão”.
Os chefes de Governo e de Estado da União Europeia (UE) voltam a sentar-se à mesa esta tarde, numa cimeira que começou sexta-feira, para tentarem chegar a um acordo sobre o próximo Quadro Financeiro Plurianual para 2021-2027 e o Fundo de Recuperação, os pilares do plano de relançamento da economia europeia para superar a crise da covid-19.
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